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Mostrando postagens de janeiro, 2020

O livro que eu não li

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Quando eu tinha 16 anos de idade, tive que passar por uma cirurgia muito delicada de extração do cristalino em ambos os olhos. Por se tratar de um procedimento muito invasivo e arriscado, o período de recuperação seria de algumas semanas. Felizmente, tudo correu conforme o planejado, mas, como eu estava no meio do segundo ano do ensino médio, acabei perdendo muitas aulas e algumas datas de entrega de trabalhos e até de provas.             Assim que voltei a frequentar a escola, tive que então ignorar os olhos cansados e correr para “pegar a matéria” com os colegas, fazer os trabalhos atrasados e as provas que os professores tinham me flexibilizado as datas. Porém, uma das provas (da turma inteira) cairia justo naquela mesma semana que retornei: a de literatura, cujo livro-tema era Senhora, de José de Alencar.             Como não havia a mínima condição de eu ler um livro de centenas de páginas naquela minha situação, eu não li - lembrando que não haviam e-books e, muito menos, au

Você é cego?

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  Há alguns dias atrás participei, pela primeira vez, de um grupo de apoio a pessoas cegas e com baixa visão. O evento em questão era uma palestra de um ex-engenheiro da NASA que percorrera recentemente a trilha para Machu Picchu, mesmo sendo cego. Ele então compartilharia a sua experiência com a preparação física e o contato com os grupos de suporte necessários. Além disso, se não bastasse os desafios de não enxergar, ele ainda teve um sério problema em um dos joelhos, o que tornou os quatro dias de caminhada até o sítio arqueológico localizado no Peru muito mais intensos. Apesar da palestra ter sido super interessante e inspiradora, ela não será o foco deste texto, mesmo porque há algumas reportagens disponíveis na mídia local e também um vídeo está sendo produzido sobre esta experiência fantástica, o qual eu divulgarei assim que for lançado.  Portanto, aqui eu tratarei da minha percepção pessoal daquele dia. Eu tenho buscado, ultimamente, assumir de forma mais ativa a minha

Predestinados ao inferno

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Tive meu primeiro contato com uma sociedade muçulmana aos 22 anos de idade, quando passei uma semana no Marrocos. Logicamente, o modo de vida característico daquele país, a culinária e as belas paisagens me fascinaram, contudo, um outro fator me chamou muito a atenção. Eu cresci dentro de uma comunidade evangélica, o que fez a minha infância e adolescência serem de muita dedicação à religião cristã. Além disso, a visão neo-pentencostal na qual eu me desenvolvi propunha um foco muito forte em missões, ou seja, eu adorava pregar o Cristianismo. Para tanto, eu participava de campanhas de evangelismo em escolas, praças, casas de recuperação, bairros afastados e até para outros estados do Brasil eu viajei para fazer missões. O grande motivador desse fervor em divulgar o Cristianismo vinha, pelo menos para mim, do Evangelho de Marcos (cap 16, vers 15-16), que diz: “ Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será cond

A acessibilidade e os outros

Hoje, durante o almoço com a Marida, percebi que na mesa ao lado havia um jovem de mais ou menos uns 16 anos e uma senhora que, ao que tudo indicava, era sua mãe. Os dois pareciam ter uma ótima relação e conversavam bastante. Infelizmente, por mais que eu tentasse não conseguiria entender nenhuma palavra da conversa, já que eu não decifro a linguagem de sinais - sim, eu confesso que não ouvi nenhum dos dois falando, mas vou deduzir aqui que o rapaz é um deficiente auditivo. Ao lidar com aquela situação bem próxima a mim, eu comecei a reparar como o ambiente estaria adaptado para aquele rapaz: Estaria ele se sentindo a vontade? Quais os tipos de desafios ele teria ali e que nem se passavam pela minha cabeça?  Por exemplo, aqui na cidade onde moro, os garçons vêm à mesa a todo momento, perguntam se você quer mais água, perguntam se a comida está boa, ou se você quer uma sobremesa. Bem, um garçom então veio à minha mesa e me perguntou como estava a comida, depois disso, ele também fo

Agradecimentos

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     Viver com uma deficiência e ter que diariamente contornar as suas limitações não é nada fácil, ainda pior é se dar conta que esta é uma batalha constante, que não tem data para terminar e que, aparentemente, não tem como ser vencida.      Quem tem convivido comigo sabe que a vida anda complicada, o que certamente me traz desânimo e uma compreensível falta de esperanças. Porém, no meio deste mar de pessimismo e de enfrentamento da realidade, o que me ajuda às vezes é entender que m inha vida sempre foi assim e que esta tormenta não é de hoje. Lembro-me, pois, que aos seis anos de idade, quando descobrimos a doença, eu só tinha 5% de visão, também penso que já passei por mais de 40 cirurgias, ou ainda que em vários anos escolares eu simplesmente “reprovei” por excesso de faltas (devido aos longos tratamentos), ou ainda que, já na vida adulta, perdi totalmente uma das visões; sem contar, é claro, as inúmeras frustrações diárias que enfrento desde a infância e que não caberiam nes

O pecado do conservadorismo

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Na minha adolescência, havia uma moda no mundo jovem cristão: as pulseiras com as iniciais  “ OQJF? ”, cujo significado era “O que Jesus faria?” (ou WWJD? - What would Jesus do? - em inglês). Todos nós tínhamos isso pendurado em nossos braços, cada uma de uma cor diferente - um charme só. Além das pulseiras, haviam adesivos, cadernos, colares e tudo mais que você pode imaginar que populariza uma marca. Por trás das letras OQJF?, porém, havia um conceito muito claro a um cristão, que é o princípio de se espelhar, em cada momento do seu dia, no exemplo de Jesus. O ideal era: antes de fazer qualquer coisa, olhe para o seu pulso e imagine qual seria a atitude do Cristo diante daquela situação. Contudo, para se seguir o exemplo de alguém ou uma determinada ideologia, necessariamente precisa-se conhecer os ideais disseminados por aquela pessoa ou filosofia. E esse é exatamente o ponto que vamos abordar aqui. Jesus, como todos sabem, nasceu de Maria, esposa de José, o que o fez cresc