Limitações em família
Em julho de 2003, uma pneumonia aguda levou meu avô Luiz
Amaral para o céu. Lembro-me da grande tristeza que tomou conta de toda a
família, recordo-me de ver meu pai tentando demonstrar uma relativa força, ao
mesmo tempo que era nítido o semblante de abatimento estampado em seu rosto.
Contudo, o que cortou mesmo meu coração foi ver a minha vózinha Adelaide
sofrendo pela perda do seu companheiro de vida. Foram dias difíceis para toda a
família. No entanto, parafraseando Ariano Suassuna: meu avô “encontrou-se com o
único mal irremediável, pois tudo aquilo que é vivo, morre”; e assim, portanto,
teve fim a história do Vôzinho aqui neste mundo.
Meu pai teve três irmãos: o sempre
irreverente Tio Mário, a doce e guerreira caçula Tia Luzia, que colocou um
enorme buraco em nossos corações ao tragicamente nos deixar há quase cinco anos
(fato esse que meu pai até hoje não consegue esconder as lágrimas ao se
lembrar); e a amorosa Tia Maria, que foi com quem minha avó foi morar após o
falecimento do meu avô - juntamente com o Tio Nino (seu esposo). Por conta
disso, tanto eu quanto os demais netos ficamos mais próximos deles, pois sempre
que visitávamos a Vó Nega (como a Dona Adelaide era conhecida), também
aproveitávamos para tomar um café com eles.
Eu sempre amei visitar a Vó Nega,
pois ela sempre tinha histórias curiosíssimas para nos contar, e sempre o fazia
de uma forma muito irreverente e bem humorada. Sinto muitas saudades de ouvi-la
e hoje daria qualquer coisa para poder sentar-me ao seu lado e assisti-la
penteando seu longo cabelo branco, o qual cultivou com muito carinho até o fim
de sua vida, em 2017.
A Carol (Marida) sempre diz, com
algumas lágrimas em seus olhos por se lembrar da sua própria avó, que eu sou
uma pessoa muito privilegiada, pois tive minhas avós por perto até minha vida
adulta. Infelizmente, a Vó Nega se foi há quase três anos, mas a Vó Ana ainda
segue firme e forte, e no auge dos seus 93 anos nos enche o coração de cuidado
e amor, além de também contar as melhores histórias que existem no mundo.
Eu poderia escrever páginas e
páginas sobre meus avós, contudo hoje eu não estou aqui para falar deles, mas
sim de uma outra pessoa que também adorava contar histórias: o Tio Nino
Conforme eu disse anteriormente,
como a Vó Nega foi morar com a Tia Maria, eu ia em sua casa com uma grande
frequência, e muitas dessas vezes, o Tio Nino se sentava ao meu lado para
contar-me histórias da sua juventude, ou seja, de quando ele conheceu minha
Tia, ou de como ele ajudou meu pai a conseguir um emprego, entre outros causos.
Contudo, talvez por me achar uma pessoa muito sofisticada, afinal eu morava em
São Paulo e já havia estado fora do país por algumas vezes, ele adorava me
contar sempre a mesma história; e o fez por algumas vezes.
Porém, antes de contar a história do
Tio Nino, e caso você nunca tenha conversado comigo por mais de cinco minutos
(que é geralmente o tempo que leva para eu contar de onde eu vim), eu nasci e
me criei em uma pequena cidade do interior do Paraná, chamada Cornélio
Procópio, a qual, apesar de não ser muito famosa, também não é tão diminuta
assim; é uma cidade de cerca de 50 mil habitantes, edificada sobre o solo
“vermelho puro” mais fértil do mundo, possui universidades públicas e privadas,
com cursos de mestrado e doutorado, excelentes hospitais, uma relativa
quantidade de leitos de UTI (o que é muito importante no momento histórico que
vivemos); existem ainda algumas indústrias, cooperativas agropecuárias e
empresas de tecnologia de tamanho razoável. Além disso tudo, também possui
parques de preservação da Mata Atlântica, uma belíssima catedral, um museu de
taxidermia e, logicamente, uma das maiores estátuas de bronze do planeta, o
Cristo Rei.
Eu, particularmente, amo demais essa
cidade! E, a propósito, creio que todos deveriam visitar Cornélio Procópio pelo
menos uma vez na vida.
No entanto, apesar dessa grande
pujança, ainda assim trata-se de uma cidade pequena, na qual o “verde lençol”
do campo e o céu estrelado turquesa são muito presentes na vida dos seus
habitantes; ou seja, ainda se pode, facilmente, contar o número de semáforos
(14) ou o de escadas rolantes (zero) existentes na cidade. E é exatamente nesse
ambiente, um tanto quanto pacato, que a história do procopense Tio Nino se
encontra.
(Obs: parabéns para você,
procopense, que pegou as referências ao hino municipal).
Voltando ao Tio Nino, talvez ele
tenha me contado umas cinco ou seis vezes, o caso de quando, pela primeira vez
em sua vida e já aposentado, teve que pilotar um elevador - sim, caro leitor,
este será o terceiro texto consecutivo sobre elevadores.
Na sua história, o Tio Nino chegou
ao edifício Morada do Sol em Cornélio Procópio, um condomínio residencial
próximo ao centro da cidade, e disse ao porteiro que deveria ir ao apartamento
do José Bonifácio (nome meramente ilustrativo). O senhor, então, informou-lhe
que ele o esperava no 5º andar e direcionou-lhe para o elevador, no qual meu
tio entrou desconfiado, pois não sabia bem ao certo o que fazer após a porta se
fechar. O elevador subiu e o Tio Nino quase teve uma parada cardíaca com a
movimentação do equipamento. Na hora que a porta se abriu, ele, gelado, saltou
apressadamente para fora, mas logo viu que alguma coisa estava errada, visto
que não haviam apartamentos e tão pouco o senhor que o aguardava estava ali.
Aparentemente ele descera no terraço do prédio.
Ele, então, voltou para a frente do
elevador e entendeu que deveria apertar o botão que estava ali. A porta se
abriu, ele entrou, mas dessa vez não houve nenhuma movimentação, somente a
porta que se fechara. Depois de muito refletir e olhar para todos os lados, o
Tio Nino enfim percebeu que havia um painel com alguns números e, em um ato de
extrema coragem e ousadia, julgou que seria pertinente apertar o número cinco.
Poucos segundos depois ele desembarcou no quinto andar, onde o seu conhecido
lhe esperava para um café.
Não sei se vocês conseguiram captar,
mas a história do Tio Nino tem uma semelhança gigantesca com a que eu contei
nos meus dois
últimos textos, ou seja, ambos tivemos uma enorme
dificuldade em operar um elevador. Pois bem, como vocês sabem, eu tenho uma
considerável limitação visual, mas, o que será que se passava com o Tio Nino?
Por muito tempo eu me julguei
injustiçado, afinal, todos tinham suas vidas perfeitas, com uma visão
maravilhosa e podiam levar as suas vidas sem grandes preocupações. Na minha
cabeça, todos tinham condições de ir a qualquer lugar sem passar por um processo
de ansiedade ao refletir em como seria a iluminação do recinto, nem tão pouco
se sentirem constrangidos em admitir que não conseguiam ler o cardápio com as
opções em uma lanchonete. Ou seja, sempre achei que todos eram perfeitos, menos
eu.
Logicamente, eu sempre tive em mente
aquelas pessoas com deficiências mais agudas que a minha, sejam cegos, surdos,
paraplégicos e etc, contudo, apesar de querer voltar a este assunto em outro
momento, eu aqui me refiro às pessoas ditas “normais” (muita ênfase nas aspas).
Com o tempo, eu fui entendendo,
porém, que de fato todas as pessoas têm as suas dores e, principalmente, as
suas próprias limitações, que seguramente trazem restrições enormes para o seu
dia-a-dia. Contudo, o que eu preciso enfatizar aqui é que este assunto é muito
sensível para um deficiente, pois em um determinado momento das nossas vidas só
conseguimos enxergar (com o perdão do trocadilho) a nossa própria limitação, e
nada mais; ou seja, simplesmente nos esquecemos dos demais.
O Tio Nino era um homem pacato, ou
seja, teve uma educação formal muito distante da que eu tive, e sem contar que
ele tão pouco viajou por vários lugares ou teve acesso à tecnologia que hoje me
é tão familiar - o que se deve principalmente ao abismo geracional que nos
separava. Tendo tudo isso em vista, o Tio Nino tinha sim uma limitação que o
impediu de ter fluência na hora de operar um simples elevador - assim como eu.
E assim como ninguém pode julgar
como um demérito meu o fato de eu ter baixa visão, o Tio Nino tão pouco poderia
carregar o fardo por sua falta de familiaridade para operar aquele equipamento.
Isto é, não há aqui julgamento de valores do que seja o bom ou o mau, o certo
ou o errado; ao contrário, neste contexto, existem somente os diferentes. Além
disso, o Tio Nino, assim como muitos cidadãos de gerações passadas, fez tudo o
que lhe era possível para trazer sustento para a sua família e amor para
aqueles que o cercavam.
E esse é o ponto central deste
texto.
Há um ano, infelizmente um aneurisma
levou o Tio Nino desta vida, o que certamente devastou toda a família.
Entretanto, além da saudade, o que ficou foi o orgulho de todos por ele ter
percorrido a sua jornada de forma justa e honrada, pois certamente ele amou a
sua família com tudo que tinha e deu tudo o que pôde para todos. Eu, em
particular, admiro muito o fato de, a despeito da formação simples de meus
tios, tanto as três filhas (minhas primas) quanto os netos adultos conquistaram
o diploma universitário. Eu sei que esse rompimento geracional não é exclusividade
deles, pois reconheço a mesma virtude nos meus próprios pais e também nos pais
da Carol - o que também me enche de admiração pelas gerações passadas.
Portanto, as minhas limitações são,
de fato, muito extravagantes, mas eu não sou o centro do universo e tão pouco a
única pessoa com dificuldades neste mundo. Contudo, da mesma forma que tanto eu
quanto o Tio Nino fomos capazes de “operar os nossos elevadores”, você também
é.
Weber Amaral
- Clique aqui para seguir o roteiro de leitura dos textos do Dislexia Visual sugerido pelo autor.
Muito orgulho de pertencer à essa família. Saudade imensa dos que partiram, principalmente do meu pai, que apesar da simplicidade, nos transmitiu valores preciosos e se esforçou ao máximo para que nunca nos faltasse nada. A experiência de vida, as batalhas enfrentadas, não só do meu pai, mas dos outros familiares citados neste texto, assim como você, nos servem de exemplo e inspiração para "operar os elevadores de nossas vidas".
ResponderExcluirParabéns Binho pelos seus textos, principalmente esse que me emocionou muito!
Eu também só tenho a agradecer por fazer parte dessa família e poder contar com bons exemplos por todos os lados.
ExcluirAcho que quando entendemos que "todos são nossos professores" é que começamos a captar e canalizar tudo que há de bom nas pessoas.
A saudade é grande, mas relembrar do que nos ensinaram é muito bom.
Bejios
Nossa Binho, que orgulho de vc, meu primo querido. Lindo texto. Com certeza todos nós temos nossas limitações. Adorei o que falou de nossa cidade de CORNÉLIO PROCÓPIO. E sabe nunca havia contado quantos s semáforos existe aqui. Ótima observação. E que linda homenagem ao seus avós, lindos. Tive o grande prazer de conhecer. Dona nega e o vôzinho. E o que falar da nossa querida vovó ANA. Que benção, essa pela qual nunca se esquece nunca de nenhum filho, noras, genrro, netos, bisnetos e seus dois tataranetos. Binho Parabéns, que Deus te abençoe e proteja, e se Deus quiser logo estaremos juntos pra comemorar mais um ano de vida. Se cuidem. Bjos.
ResponderExcluirObrigado.
ExcluirE olha que é muito filho, neto e bisneto que Dona Ana tem heim.. e mesmo assim não se esquece de nenhum detalhe.
Desejo muita saúde para que cheguemos firmes e forte igual ela.
Um grande beijo
Binho, você é demais! Adorei!
ResponderExcluirOlá desconhecido (que eu nào sei qm é).
ExcluirObrigado por ter lido e fico feliz que tenha gostado.
Abraços.
Binho, sempre me identifico muito com os seus textos. Pode continuar falando de elevadores que sempre acrescenta. Talvez esse seja o titulo do seu livro, papo de elevador
ResponderExcluirHahahahah.. gostei do nome do livro heim
ExcluirMas achoq ue vou realmente dar um tempo de elevadores agora né?
Um grande beijo pra sua família bonita.
Binho, acho muito legal seus eufemismos e metáforas pra explicar assuntos complexos partindo de situações corriqueiras que muitos já passaram ou conhecem alguém que passou. Nós temos muita tendência de egocentrismo quando analisamos os problemas que enfrentamos e um pouco de empatia e relativismo ajuda muito a entender o mundo e a dor dos outros. Valeu mano!! Abraços
ResponderExcluirUia.. que beleza
ExcluirEu acho que a prática da empatia faz muito bem pra gente.. entender q o outro também pode estar passando por um dia bosta e que por isso esteja carrancudo é um exemplo de coisas do dia a dia que este exercicio pode nos ajudar
Valeu mano
um grande abraço
"E, a propósito, creio que todos deveriam visitar Cornélio Procópio pelo menos uma vez na vida." Hahahah, Yo lo hice ! Lo que acuerdo mas es el cielo azul y lindo, sin montan˜as... te sientes pequenito.
ResponderExcluirY me acuerdo de tu abuela, que tenia un padre (o abuelo?) italiano, y me acuerdo tambien de la "pamoja" ...
Grazie Strunz!!!
ExcluirCornélio Procópio é muito privilegiada por ter recebido um nobre cidadão do mundo como você.
Ti aspetiamo per il Carnaval 2021
Lo que has comido se llama "PAMONHA"... y sabes que? Hemos encontrado um sitio aqui em Houston donde se puede compralas... Carol ahora es una persona mas feliz.
Un baccio a tutti!!
Sempre gostei de ler seus textos, mas esses superou todos os outros. Por mais que temos que "operar muitos elevadores" em nossa vida, é muito bom saber que temos uns aos outros e que eu pertenço a uma família que Deus não poderia ter escolhido melhor! Que bom ouvir mais uma história do meu avô, ele gostava bastante de falar....kkkkk...e sempre tinha uma história pra contar. Já ouvi muitas, mas confesso que hoje daria tudo para ouví-las novamente. Meu vô Nino foi uma das pessoas que mais amei nessa vida e não tem um dia se quer que eu não me lembre dele. Obrigada por falar dele com tanto carinho, assim como da Tia Luzia e da Vozinha (estou chocada com o vó Nega....kkkk......porque eu sempre só a chamava de Vozinha) que foram pessoas muito queridas e que deixaram muitas saudades! Parabéns, primo!
ResponderExcluirhahaha.. tadinha de você..
Excluiré que você é de outra geração né, e não conhecia o Vó Nega.
Mas sim, lembro do tio, da tia, da vozinha e do vozinho com muito carinho... e isso é o bonito da vida: saber que todos podem nos ensinar.
Beijos prima.
Muito bom Binho!! Seus textos são ótimos!!
ResponderExcluirOla desconhecido (que eu não sei qm é)
ExcluirObrigado por ler meus textos e fico feliz por gostar.
Estou tentando produzir na quarentena.. mas confesso que anda difícil. Vamos tentnando.
Abraços.
Eu gosto de ler seus texto, pq assim aprendo mais sobre a cidade q nascemos e crescemos.
ResponderExcluirMas o pq o Cristo da nossa cidade é cacunda?
Ele está curvadinho para frente, e os braços marcando 4h40m.
Tadinho do Cristo Rei né... tá cansado já...
ExcluirMas ele é bonito, vai ...
heheh... abraço primão
Ótimo texto primo!
ResponderExcluirTive o prazer de conhecer a dona Nega ♥️
E a nossa vozinha que nos enche de orgulho!
Uiaaaaa.. que felicidade
ExcluirDona Nega e Dona Ana são duas lindas... S2
Beijossss
Que história! Ao ler pela primeira vez me debulhei em lágrimas! Quantas histórias para contar, quantas histórias já contadas e quanta saudade em todas elas! Muitas coisas jamais voltarão a acontecer, pois pessoas tão especiais já não estão mais com a gente! Que saudade do vozinho, da vozinha e do meu querido PAI! São boas lembranças que sempre ficarão guardadas na nossa memória!
ResponderExcluirObrigado Edvana pela mensagem. Acho que é sempre importante lembrarmos daqueles que se foram e, mais importante, canalizar aquilo que aprendemos de bom com todos (inclusive os que ainda estão conosco). tbm tenho muitas saudades de todos e guardo com carinho dentro de mim as suas imagens.
ExcluirBeijos
Cara, quando eu crescer quero escrever igual a você!!! Desde o famoso falabaixo admiro sua escrita. Parabéns!!!
ResponderExcluirSó pra deixar claro que eu que falei do falei do falabaixo, mas na verdade era o lapesperolas hehehe
ResponderExcluirAss..: Little Barbosa
Opa.. Lapes pérolas segue no ar. Mas sem atualizações :-(
ExcluirValeu Little Barbosa. Um grande abraço e muito sucesso nos teus projetos aí tbm.
Beijão.
Muito bom!
ResponderExcluirLogo quero ler seu livro.
Abracos
Obrigado Leonor.
ExcluirQuem sabe um dia eu lance um livro mesmo, né.
Vamos ver....
um grande abraço e tudo de bom pra sua família.. que eu amo muito
Orgulho de ter sido sua professora. Você representa a frase: então o aluno supera seus mestres!
ResponderExcluirMuito orgulho, principalmente da pessoa que se tornou!
Ounn... que bonito.
ExcluirObrigado pela mensagem. Eu fico muito orgulhoso de dar orgulho aos meus mestres.
Mas, particlarmente, eu acho que o aluno NUNCA supera o mestre. Porque, sem o professor nós nunca seríamos nada. Portanto, o aluno sempre estará na sombra dos seus mestres.... e isso, na verdde, é lindo!
Bejos e sucesso sempre professora :-)
Mais uma vez vim matar saudades desse lindo texto que me faz voltar ao passado e recordar bons momentos vividos e que não retornarão mais!
ResponderExcluirHehe.. volte sempre que quiser.
ExcluirMas, é triste os momentos bons não voltarem mais. Porém, isso o faz únicos e inesquecíveis em nossos corações.. beijosssss