Uma barata chamada Kafka

No texto O som da metamorfose eu escrevi um pouco sobre A metamorfose, de Franz Kafka, mas confesso que este romance me impacta tanto que gostaria de voltar a falar sobre ele aqui hoje. Entretanto, diferentemente do primeiro texto, hoje eu trarei alguns spoilers sobre a obra, portanto caso você não queira ser surpreendido com alguma novidade de um livro centenário , pare agora e vá escutar uma música dos Inimigos do rei. Por outro lado, caso vocè queira conhecer a obra, eu recomendo demais a sua leitura, pois o livro é curto, simples e fantástico.

            Como já citamos, o livro conta a história de Gregor Samsa, um caixeiro viajante do fim do século XIX,  que ao despertar-se pela manhã nota que havia estranhamente se transformado em um inseto gigante. A trama então se passa com ele se reconhecedndo na sua nova forma e encarando seus novos desafios.

            Apósmuitos desdobramentos, o livro termina com a morte de Gregor Samsa (eu avisei que haveria spoilers) e sua família então respira aliviada e começa a projetar seus novos rumos na vida, pois todos haviam sofrido muito com a metamorfose de Gregor. Inclusive, a cena final, para mim, é genial, pois os pais de Gregor notam a beleza e a juventude da irmã Greta após um feixe de sol iluminar seu corpo, trazendo a admiração dos pais. Isso os leva a seguir em frente. Ou seja, aparentemente, o final é feliz.

            Como contei no texto O protagonismo assassino, a História (com H maiúsculo) foi criada e e contada por “vencedores”, isto é, enquanto alguns tiveram èxito e felicidade, muitos e muitos sofreram e, ao contrário, não tiveram espaço nos livros. Por isso, A metamorfose conta, de forma bem explícita, a vida de alguém que sofre e como a sua dor é escondida até o ponto que o ser é totalmente esquecido.

            Logo após a metamorfose de Gregor e no decorrer de todo o livro, ele jamais deixa a sua casa e somente sai do seu quarto pouquíssimas vezes, e sempre que o faz é escurraçado pelo seu pai. Além disso, a sua mãe passa o tempo todo chorando pelo destino do filho e todos eles demonstram uma vergonha enorme perante a sociedade do grande inseto que um dia fora o membro da família.

 

            Pois bem, já li algumas revisões sobre o livro, nas quais muitos associam ametamorfose de Gregor à velhice, e creio que essa conexão faça sim sentido. Um outro paralelo que já ouvi é o do puerpério, o qual também pode ser uma interpretação da obra, principalmente quando autor conta como o personagem principal se nega a fazer suas atividades sem considerar a sua nova condição. Entretanto para mim a interpretação mais plausível é que kafka conta a história de um membro de uma família que de repente adoece ou, ainda mais provável, torna-se deficiente, seja físico, mental, auditivo ou, por que não, visual.

            Tendo então desenhado este paralelo entre a metamorfose e a deficiëncia, a crítica de Kafka é sobre a família que faz de tudo para fingir que nada está acontecendo no quarto de Gregor, e que ele nem ao menos está lá. Além disso, o fato de eles o esconderem da sociedade é um ponto fundamental para narrativa criada dentro do romance.

            Outro detalhe muito interessante da obra é que nenhum membro da família e nem sequer o narrador, que é em terceira pessoa, se atrevem a usar a palavra “barata”, mesmo esta sendo claramente a atual aparëncia de Gregor. Ou seja, em nenhum momento do livro os personagens reconhecem e assumem de fato a nova forma do jovem Gregor. Na única passagem na qual  a palavra “barata” é utilizada, ela é proferida pela empregada que vem tentar limpar o quarto e espanta Gregor aos berros, ou seja, o teor é muito pejorativo.

            Portanto o que eu consigo abstrair deste rico romance escrito por Franz kafka é que as atitudes tanto da família quanto do prórpio Gregor após a metamorfose são o que lhe condenam ao seu trágico destino. E ao citar “trágico destino”, não me refiro ao seu falecimento no fim do livro, pois a morte é o fluxo natural da vida, mas sim aos seus dias decadentes e obscuros dentro do seu quarto – que é o que o livro conta do início ao fim.

            Para concluir, querolhe dizer que, caso você tenha passado ou está passando por uma metamorfose em sua vida,ou se alguém que você ama e preza está nesta situação, esconder e fugir da realidade jamais serão as soluções para quaisquer problemas; ou seja, infelizmente isso somente  nos levará mais para o fundo deste gigantesco buraco.

 

Weber Amaral


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