Pequenas conquistas
Estávamos
Marida e eu sentados no sofá curtindo o final de tarde de domingo. Ela assistia
a uma de suas séries favoritas e eu lia o último capítulo do livro Eu, robô.
Ela me cutucou o ombro e eu pausei o áudio;
tirei o fone de ouvido e ela me perguntou:
“Vou fazer
uma pipoca, você quer?”
“Quero sim.
Vou colocar alguma coisa para a gente beber então.”
“[Agua com
gás!”- pediu-me ela.
Servi os
nossos copos, trouxe-os para a sala e
sentei-me novamente no sofá. Marida chegou com a pipoca eantes de se aconchegar
ao meu lado, olhou-me e disse:
“Nossa,
como o teu cabelo está grande!”
“Pois é.
Também estou sentindo isso. Acho que vou lá cortar amanhã.”
" Ah, Marido.
Eu tenho tanta coisaparafazer esta semana. Eu nem sequer poderia estar aqui
asssistindo televisão. Minha lista de tarefas está gigantesca nestes dias.”
“Não
precisa ir comigo desta vez não. Eu vou lá sozinho!”-retruquei eu.
“Vocë vai?
Entáo está bem!”- disse-me a Marida.
A
segunda-feira foi um tanto corrida, entáo segui com o cabelo desajeitado.
Entretanto, no fim do dia seguinte resolvi que não iria mais procrastinar esta
tarefa. Peguei o meu celular, pesquisei onde ficava o cabeleireiro mais próximo
e vi que teria que caminhar cerca de dois quilômetros. Decidi que iria de
carro. Abri o aplicativo e chamei um motorista, o qual parou na frente da minha
casa em menos de trës minutos. Depois de várias tesouradas, escovadas,
esguichos de água na cabeça e a famosa maquininha para acertar o “pézinho”, a
cabeleireira me disse:
“Confira
para ver se é assim que você queria o corte.”
Este seria
o momento no qual eu chamaria a Marida e pediria a sua opinião. Mas como eu
havia ido sozinho, tirei minhas mãos por debaixo do pano de proteção usado em
salões e tateei minha cabeça para sentir se realmente o corte me agradava.
“Acredito
que esteja perfeito!”- afirmei à senhora.
Paguei a
conta e após alguns minutos abri a porta da minha casa e sentei-me novamente de
frente ao meu computador para checar a caixa de entrada de e-mails do trabalho.
Depois de mais ou menos uma hora, a gola da minha camisa começou a irritar ainda
mais meu pescoço e achei que era melhor tomar um banho.
Dependendo
de qual perspectiva você parte para ler a história acima, sua reação pode ter
sido diferente dos demais leitores. Acredito que há aqueles que se deparam com
a minha narrativa e a acham totalmente banal. Para estes eu devo lembrar que
nada é simples na vida de uma pessoa cega, e mesmo atividades bem corriqueiras,
como ir ao cabelereiro,tem a capacidade de se tornarem um verdadeiro pesadelo. No
entanto, conhecendo a média das pessoas que costumam me ler, eu imagino que a
reação tenha sido outra. Creio que você possa estar aí folheando a história
acima e pensando com empatia e entender que o simples fato de eu sair de casa e
fazer algo sozinho representa de fato um grande obstáculo. Ao contrário disso tudo,
também há aqueles que acompanham o meu dia a dia, seja presencialmente ou até mesmo
pelas redes sociais, e sabem que, aparentemente, eu demonstro fazer coisas
muito mais sofisticadas. Afinal, depois de ser oficialmente declarado cego eu já
viajei várias vezes, fiz apresentações e palestras profssionais, troquei pneu
de carro, fiz longas caminhadas em terrenos muito hostis como praias pedregosas,
dunas e montanhas, já mergulhei saltando a partir de um pequeno penhasco, andei
de bicicleta, até dirigi um carro de golfe, joguei dardos e até mesmo publiquei
um livro. Mas, não! Eu jamais havia ido sozinho ao cabelereiro. E por mais que
isso pareça pequeno, eu afirmo sem nenhum exagero: isso é sim muito importante
nos meus dias.
Assim como
qualquer um de nós, eu já fui incontáveis vezes ao cabelereiro, inclusive tive
que explicar como seria o meu corte em diferentes línguas e lidar com distintas
culturas e múltiplas características pessoais nessa tarefa tão corriqueira das
nossas vidas. Porém, esta foi a primeira vez que, sozinho e sem enxergar, eu
tive que fazer tudo isso junto. Por isso, não importa quantas vezes eu tenha
andado de bicicleta no passado, fazer isso agora é totalmente imprevisível. Não
importa quantos projetos de software eu entreguei durante a minha carreira, hoje
o trabalho se transformou em algo sem precedentes. Não importa quantas
refeições eu já preparei no passado, cozinhar se tornou algo inevitavelmente novo
na minha vida.
E assim os
dias vão acontecendo. Do mesmo modo que qualquer pessoa que passa por uma
experiência igual a minha, eu tenho aprendido a jamais desprezar as pequenas
conquistas e sempre celebrar o ineditismo da vida.
Weber
Amaral
Nota:
·
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Quantas novas conquistas vc já venceu e por quantas ainda mais haverá de passar! Acredito que sua vida tem sido assim: um dia de cada vez ! Com certeza ainda virá muitos aprendizados!♥️🥰
ResponderExcluirMuito obrigado pelo comentário.
ExcluirSim, acredito também que são muitas as vitórias. Mas percebo que as vezes a gente se perde ou deixa de prestar atenção nas pequenas conquistas da vida. Por isso reafirmo que devemos sim celebrar mesmo o menor dos passos.
Um grande abraço. E obrigado por me ler.
São grandes conquistas que faz a vida ser compreendida como um ato de coragem. Está sendo um prazer poder te conhecer, Weber. Obrigado pelo suporte! Ass: Lucas
ResponderExcluirÉ tão bom celebrar as pequenas conquistas! E que bom que você enxerga esses desafios como algo a ser celebrado. Deve significar que você leva a vida com certa leveza, tentando levar as coisas para o lado positivo. Legal!
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