A paciência turva
Tenho percorrido novos caminhos e cada passo dessa jornada tem sido uma mistura entre desafios instigantes, novidades arrepiantes e frustrações inevitáveis. Não sei dizer ao certo o que tem me motivado, mas sempre que desperto pela manhã tento canalizar os bons pensamentos e seguir batalhando para que cada degrau seja superado no seu tempo certo.
Por tudo
isso a palavra que mais tenho repetido ultimamente é
paciência. Tenho aprendido que por mais que eu queira resolver o mais rápido
possível todas as questões relacionadas à minha reabilitação e também à
readaptação da vida sem a visão, o fato é que isso não será uma tarefa tão
simples como livros de auto-ajuda e filmes de superação hollydiana sugerem.
Portanto, éeessencial entender que a vida precisa ser desacelerada para que ela
seja melhor aproveitada e novos caminhos e oportunidades se abram diante de mim.
Em 1999, após um processo
seletivo que me causou muita tensão, eu fui aprovado para estudar o ensino
médio no Cefet-PR, escola pela qual meus irmãos já haviam passado e que, com
toda a certeza, tem um papel transformador e fundamental na história da nossa
família. Eu estava muito motivado para estudar ali pois sabia que se tratava de
um centro de excelência no qual eu teria a oportunidade de me desenvolver
intelectualmente. Lembro-me então que resolvi fazer algumas escolhas, como
deixar atividades que gostava muito, como o futsal e o judô, de lado para
passar mais tempo na escola e enfrentar toda aquela experiência com mais
afinco. Afinal, eu via meus irmãos, que haviam ingressado em 1993 (ano que o
Cefet -PR foi inaugurado em Cornélio Procópio) saindo de casa pela manhã e
muitas vezes só voltando no fim do dia, exaustos de tanto estudar. Wellington
(o mais velho) era quem frequentava
aspermanências (horários reservados para
professores tirarem as dúvidas dos alunos) que começavam às seis da manhã. Em
1996 ele se formou técnico mecânico, mesmo ano que o Wendel (o irmão do meio)
ingressou no mesmo curso. Ele também estudou intensamente e se formou em 1999, quando
iniciei o ensino médio. Como ambos já estavam bem imersos naquele mundo de muito
estudo e eram alunos extremamente dedicados, lembro-me que disseram:
“Você tira
notas muito boas aí no ensino fundamental, agora queremos ver você fazer o
mesmo no Cefet! Você vai ver que não é tão simples assim!”
Apesar da minha empolgação com a nova escola, tenho que confessar que eles estavam certos sobre a dificuldade que enfrentaria, por isso inspirei-me no exemplo dos meus irmãos, dediquei-me ao máximo e me orgulho sim em dizer que aquele primeiro ano, em especial, foi de muito êxito. Sem falsa modéstia, as minhas notas estavam entre as melhores de todas as turmas e, enquanto via inúmeros amigos com muita dificuldade de se adaptarem ao nível do Cefet, eu conseguia sim exceder as minhas próprias expectativas. Lembro-me então que minha confiança estava tão grande que me inscrevi em um concurso de redação e também para a olimpíada de física. No primeiro eu tive o meu texto vitorioso e escolhido para ser exibido em uma exposiçao, e na segunda eu venci a etapa municipal, isto é, classifiquei’me para a próxima fase regional. Logicamente a redação me deixou contente, mas principalmente a olímpíada me deu muita esperança, pois física era algo que eu amava, por isso logo iniciei os estudos para a segunda fase que aconteceria em algumas semanas.
Entretanto, como nem tudo acontece como planejamos, uma crise hemorrágica
atingiu novamente meus olhos e sem muito preparo prévio tive que voltar para a
mesa de cirurgia naquele mesmo período. Apesar do procedimento ter felizmente
corrido bem, tive que interromper os estudos durante um par de semanas para que
tivesse uma recuperação tranquila. Porém, mesmo sem poder me dedicar muito, eu
queria a todo custo participar da olimpíada de física. O médico então orientou
que eu não ficasse por mais de 30 minutos focado na prova e que tampouco
voltasse minha cabeça totalmente para baixo para ler.
A prova estava
agendada para acontercer no próprio Cefet de Cornélio em um sábado pela tarde. Ccom
alguma dificuldade meus pais me levaram até a escola e me ajudaram a chegar até
a sala onde ocorreria o exame. Já na
chegada percebemos que vários veículos de cidades vizinhas haviam também vindo
para a competição. Quando entrei na sala,o monitor, que já sabia quem eu era,
apontou-me para o meu lugar. Devido às minhas condições especiais, a
organização tinha preparado uma mesa de desenho técnico, a qual não possui a
tábua paralela ao chão, mas que ao contrário é inclinada e, portanto, poderia
me auxiliar a não ficar com a cabeça voltada para baixo, conforme o médico
havia recomendado.
Comecei então a tentar resolver os exercícios da prova, que basicamente
tratavam de questões de mecânica básica, cinemática e outros assuntos de física
do primeiro ano do ensino médio, mas logo fui percebendo um grande cansaço nas
vistas. Se Caso você nunca passou por nenhuma operação nos olhos, por mais
simples que seja (o que não era meu caso), o sentimento geralmente é de que um
caminhão de areia foi despejado dentro de suas pálbebras, ou seja , é muito
difícil conter a lacrimejação. Apesar de eu de fato seguir as recomendações
médicas de não passar muito tempo olhando fixamente para a prova, o cansaço foi
se acentuando, os olhos ficando cada vez mais vermelhos e a vista extremamente
turva, sem contar a dor de cabeça que tudo isso me causou. Quando tinha
aproximadamente um quarto da prova já feito, eu pedi liberação para tomar um
ar. Saí da sala e encostei-me em um dos
corrimões que ficavam ali perto e pensei por alguns minutos. Eu estava muito
cansado, com dores e, portanto, não consegui segurar minhas lágrimas. Como eu levara
comigo muitos lenços, o choro não foi percebido por mais ninguém.
Retornei então à sala de aula, entreguei a prova ao monitor e fui embora
para minha casa.
Voltando para os dias atuais, após uma licença de 26 semanas (meio ano),
retornei ao trabalho há um mês. Eu sabia que seria muito difícil retomar o
ponto exato onde havia deixado em março de 2021, mas dentro de mim eu entendia
que precisava tentar. Afinal, eu me considero um profissional já experiente e
toda essa vivência dentro de projetos de TI Industrial (minha área de atuação)
não poderia ser deixada de lado, a despeito das minhas novas condições de falta
de visão.
Cheguei no primeiro dia de trabalho, então, com o peito aberto e já fui
tentando entender como executar minhas atividades usando comandos do teclado e
assistentes de voz. Para tanto eu havia aproveitado bem meu período de ausência
para estudar tais técnicas e tecnologias que são hoje essenciais para mim. Ou
seja, não me supreende dizer que muita coisa é sim factível para deficientes
visuais. Além disso, é importante ressaltar que tenho sim recebido todo o apoio
e suporte da empresa e de todos os colegas de trabalho, conforme já citei em
outras oportunidades.
Contudo, como não poderia deixar de ser, tenho vivido intensas
frustrações diárias ao lidar com tarefas que eram extremamente triviais no meu
cotidiano, mas que se tornaram quase impossíveis de serem realizadas sem o
auxílio da visão. Tendo tudo isso como base, eu me peguei várias vezes nestes
últimos dias em uma situação parecida a daquele sábado da olimpíada de física. Apesar
de ter uma “mesa de desenho inclinada” à minha disposição, vivo pedindo
liberação para mim mesmo para tomar um ar e só sinto vontade de encostar no
corrimão e chorar em silêncio. No entanto, eu ainda não me sinto no direito de
entregar a prova pela metade e voltar para casa.
No fim das contas, este texto não representa uma reflexão, como é de
costume deste blog. Ele é um simples desabafo de como a vida parece estar sempre
pregando novas peças, porém na verdade, no meu caso em específico, aparentemente
ela só se repete com mais intensidade
Weber
Amaral
Muitas vezes temos que parar e ver que o sinal está vermelho! É hora de respeitar os limites, mesmo que a vontade seja burlar as regras. Isso também é ter paciência, parar, refletir. Tem muita estrada pela frente, vá seguindo e deixando acontecer! Tudo no seu tempo, no seu momento! Beijos meu primo! Te amo muito!
ResponderExcluirExatamente! O negócio é que não estamos correndo 100m rasos, e sim uma maratona inteira - e cheia de obstáculos.
ExcluirMuito obreigado pelo apoio. Um beijão
A vida infelizmente está longe se ser justa e às vezes parece ser impossível esperar por alguma luz. Encostar no corrimão e chorar um pouco pode ajudar a recuperar fôlego para continuar lutando. Você é um exemplo em como fazer isso. Força e um grande abraço!
ResponderExcluirObrigado Carlos. Sim, acho também importante primeiro de tudo assumir e reconhecer a situação e, logo depois, tomar esse fôlego para seguir lutando. Obrigado pelo comentário e inspiração. Abraços.
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