O pecado do conservadorismo

Na minha adolescência, havia uma moda no mundo jovem cristão: as pulseiras com as iniciais  “OQJF?”, cujo significado era “O que Jesus faria?” (ou WWJD? - What would Jesus do? - em inglês). Todos nós tínhamos isso pendurado em nossos braços, cada uma de uma cor diferente - um charme só. Além das pulseiras, haviam adesivos, cadernos, colares e tudo mais que você pode imaginar que populariza uma marca. Por trás das letras OQJF?, porém, havia um conceito muito claro a um cristão, que é o princípio de se espelhar, em cada momento do seu dia, no exemplo de Jesus. O ideal era: antes de fazer qualquer coisa, olhe para o seu pulso e imagine qual seria a atitude do Cristo diante daquela situação. Contudo, para se seguir o exemplo de alguém ou uma determinada ideologia, necessariamente precisa-se conhecer os ideais disseminados por aquela pessoa ou filosofia. E esse é exatamente o ponto que vamos abordar aqui.
Jesus, como todos sabem, nasceu de Maria, esposa de José, o que o fez crescer e aprender o ofício de seu pai, a carpintaria. Contudo, desde cedo ele se debruçava nas escrituras sagradas e gostava de aprender e falar sobre o conhecimento judaico que envolvia a sua contemporaneidade. Desta forma, acendendo de uma classe trabalhadora e se envolvendo com a elite intelectual e religiosa da época, Jesus inicia sua vida pública como ministro de Deus na Terra (ou o Filho do próprio Deus) aos 30 anos de idade. Durante os três anos de seu ministério, Jesus disseminou sua mensagem fortemente baseada no respeito e no amor ao próximo, priorizando o indivíduo e fugindo das tradições estabelecidas pela lei judaica. Portanto, um dos seus maiores pontos de crítica à sociedade da época foi em direção àqueles com pensamento focado na lei mosaica e não nas pessoas, o que certamente atendia muito mais aos pobres e miseráveis do que à elite detentora do conhecimento e dos bens. Dessa forma, Jesus, durante todo o tempo, foi considerado um subversivo dentro do judaísmo e da própria sociedade na qual estava inserido.
Muitos são os exemplos do pensamento progressista de Jesus, que se inicia com as inusitadas escolhas de seus discípulos e culmina com o seu o martírio na cruz do calvário. Ora, durante a sua atuação ministerial, Jesus defendeu o Estado laico ao dizer “Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”, demonstrou compaixão a pecados passíveis de morte (como o adultério), conversou e atendeu pobres, distribuiu alimentos (sim, Jesus deu o peixe antes de ensinar a pescar), apresentou o perdão familiar de um pai a um filho rebelde (o filho pródigo) e jamais disse coisas como “bandido bom é bandido morto”, ao contrário, ele ofereceu as portas do céu para o criminoso que foi crucificado ao seu lado. Por fim, e mais importante, enquanto os homens levantavam a espada para a guerra, Jesus oferecia a outra face.  A conclusão lógica, então, é que Jesus se apresentou, em todo tempo, como um homem com o pensamento de vanguarda, progressista e muito a frente de seu tempo, ou seja, ele passou muito longe de ser um conservador.
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Pois então, voltemos às pulseiras OQJF?.



Se a lógica do Cristianismo é seguir os passos e o exemplo de Jesus, como pode alguém defender políticas sociais de forte inspiração conservadora? E pior, como pode ser levantado um argumento conservador baseado na própria Bíblia?
Logicamente, houveram escritores bíblicos extremamente conservadores, inclusive no período pós-Cristo, e o exemplo mais contundente disso é Paulo (ou São Paulo, para os católicos). O apóstolo, que fora um agente do Estado Romano na região do Levante, teve seu ministério baseado no princípio de expansão do Cristianismo também para os gentios (não-judeus), para tanto, apresentou em suas epístolas o mantimento de valores morais que já eram prática naquela época, tais como a defesa do celibato, o uso do véu pelas mulheres e a submissão feminina diante da liderança do homem dentro do lar e da congregação.
Desta forma, como as cartas escritas por Paulo possuem um teor de preservação da moral e dos bons costumes do primeiro século da nossa era, elas são muito usadas pelos cristãos do nosso tempo para a defesa de tais valores ainda hoje.
Entretanto, assim como sugere o nome da religião, o Cristianismo deveria sim ser baseada em Cristo, e não em Paulo ou em qualquer outro escritor bíblico. Um exemplo bem claro disso foi citado pelo próprio apóstolo ao escrever na sua Primeira Epístola aos Coríntios que os Cristãos da época não deveriam seguir a Apolo, nem a Pedro e nem ao próprio Paulo, mas sim somente a Jesus (capítulo 3).
Portanto, ser conservador pode sim ser considerado um pecado aos olhos da religião criada por Jesus e proclamada pelos seus seguidores, visto que se trata de uma atitude anti-cristã no sentido mais etimológico possível da expressão, ou seja, é contra o pensamento e as atitudes do próprio Jesus Cristo de Nazaré, que foi subversivo, revolucionário e humano, acima de tudo.
Para finalizar, vale mais uma vez citar Paulo, desta vez aos Romanos: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação do vossa mente”.  Os tempos atuais podem parecer sombrios uma vez que aqueles que deveriam olhar para os pobres, defender minorias e estender a mão aos enfermos parecem querer ver a maioria massacrando os que pensam, agem ou simplesmente são diferentes; contudo, a esperança é que aqueles que verdadeiramente se proclamam Cristãos conheçam a fundo o criador da  religião que se propuseram a seguir, para que assim este mundo se pareça mais com aquilo que Jesus idealizou.

Weber Amaral

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