O dia que eu saí do armário
Em uma manhã nublada de Outubro, eu chamei um carro pelo
aplicativo do celular e fui até o oftalmologista. Era uma clínica nova,
localizada em um grande edifício próximo ao centro da cidade, e na qual eu
jamais fora anteriormente. O motorista então me deixou próximo a uma imponente
porta de vidro que julguei ser a entrada principal do prédio. Entrei no saguão
e, como de costume, parei por alguns segundos para tentar entender onde eu
estava (fiz o reconhecimento do local). Consegui enxergar um senhor sentado
atrás de um balcão e logo deduzi que se tratava ou da recepção ou de um centro
de informações. Fui até ele e perguntei onde ficava o elevador. Ele apontou a
direção com o dedo e disse:
Todos nós passamos por situações em nossas vidas que nos fazem refletir bastante, e o caso acima me fez pensar, e muito, na minha real condição. Como uma tarefa tão simples como pilotar um elevador pode ser tão complicada? Como eu posso me chatear tanto em ajudar um senhor de idade? Isso não deveria ser extremamente gratificante?
“Logo aqui atrás!”.
Como a
grande maioria das pessoas por aqui se deslocam com o seus próprios carros, o
térreo (entrada de pedestres) estava vazio. Apesar disso, o prédio era muito
grande (só pra termos uma ideia, o consultório onde eu deveria ir ficava no 19º
andar). Caminhei, então, até o corredor onde ficavam os elevadores - eram seis.
Como não havia ninguém por perto para eu simplesmente esperar, tive que eu
mesmo ir em busca do bendito botão para chamar o elevador. E, logicamente, eu
não o encontrei.
Até que, após uns segundos, como que
vindo do alto (e, de fato, veio), uma das seis portas se abriu. Saiu dela um
senhor engravatado, que falava ao celular e parecia estar com muita pressa, ou
seja, nem tive a chance de pedir a sua ajuda. Mas, tudo bem, pois logo entrei e
fui, apressadamente, tentar encontrar o número 19 no painel do elevador.
Contudo, como vocês podem imaginar, nem tudo é tão fácil assim.
A porta se
fechou e eu fiquei lá dentro, desesperado, tentando encontrar o bendito número
que eu deveria apertar. Era um painel gigante, cheio de botões e pouco iluminado.
Para piorar, os números não estavam em relevo (para que eu pudesse tateá-los e
então reconhecer o 19), e tão pouco havia um bom contraste entre o fundo do
painel e os números - eu adoro um preto no branco, mas não era este o caso.
Para ser justo, porém, o painel tinha sim as indicações em Braille, contudo eu
ainda não sei ler - talvez devesse, mas não sei.
Foi então,
que o elevador começou a se mexer para cima e parou no 5º andar. Logo pensei:
“Ufa, alguém vai entrar e eu vou então pedir ajuda para ir ao 19º”. Mas não.
Surpreendentemente, ninguém entrou. Voltei, pois, a procurar o maldito número
19.
E foi então que o elevador começou a
descer novamente, regressando ao térreo.
Como eu sou brasileiro (não desisto
nunca), após travar essa árdua batalha em busca do número 19, houve uma
iluminação divina sobre mim e, segundos antes do elevador abrir a porta, eu
consegui encontrar, de forma épica, o botão correto. Fui, então, tomado por uma
gloriosa e enorme alegria, uma satisfação de conquista plena tomou conta do meu
coração naquele momento, visto que eu, em poucos segundos, desenvolvi um método
de busca baseado em medianas, desvio padrão, amplitude e vários outros
conceitos geométricos e estatísticos que anos de educação técnica me
proporcionaram (licença poética para o uso de hipérboles). Foi uma realização e
tanto.
Abriu-se, então, a porta para o
térreo e eu estava embriagado no meu êxtase de ver a luz do número 19 acesa.
Tão embriagado que mal reparei que entrara no elevador um senhor bem idoso,
portando consigo uma simpatia ímpar e uma bengalinha. Minha felicidade plena,
então, sofreu um duro golpe quando ele olhou bem para mim e disse:
“Bom dia filho, você aperta o 12
para mim, por favor?”
Todos nós passamos por situações em nossas vidas que nos fazem refletir bastante, e o caso acima me fez pensar, e muito, na minha real condição. Como uma tarefa tão simples como pilotar um elevador pode ser tão complicada? Como eu posso me chatear tanto em ajudar um senhor de idade? Isso não deveria ser extremamente gratificante?
Pois bem,
sejamos então bem práticos agora. Situações como essa, para mim
especificamente, poderiam ser evitadas de duas formas. Vamos a elas.
Solução A -
Isso não aconteceria se eu enxergasse bem. Essa seria a melhor opção,
mas, eu já pesquisei (e muito), e não é tão simples assim. Ou seja, solução
descartada.
Solução B -
A segunda opção é bem mais realista: Nela eu necessito mostrar ao mundo as
minhas limitações e solicitar ajuda quando necessário.
Então, tendo em vista que a Solução
B é a vencedora, vamos agora aplicá-la ao caso acima: Bastava eu solicitar a
ajuda do senhor que estava na recepção. Como ele me pareceu ser um homem bem
simpático e solícito, ele, seguramente, iria comigo até o corredor, chamaria o
elevador, apertaria o botão 19 e pronto. Tudo resolvido.
Parece simples, não é? E por que
será que eu não fiz isso?
Sim, isso mesmo que você está
pensando: Orgulho!
Bem, eu não quero ficar aqui
pesando, sobre mim mesmo, todo o orgulho que eu tinha em não solicitar ajuda ou
simplesmente não reconhecer minha incapacidade de executar tarefas simples. Só
vou elucidar que, coube a mim muita terapia, auto-reflexão e puxões de orelha para então entender que
ao não deixar claro quais eram as minhas limitações, eu estava, na verdade, expondo-as com maior
ênfase. Ou seja, não pedir ajuda me fazia quebrar a cara mais ainda, como na
situação acima.
Só abrindo um parênteses aqui.
Não sei se vocês já pensaram nisso,
mas nesses tempos de Coronavírus, pessoas com deficiência visual tem uma
complicação a mais para lidar, afinal usamos muito o tato para tentar
reconhecer o ambiente a nossa volta. Ou seja, haja álcool em gel.
Fechando parênteses.
Voltando ao texto, outro exemplo é
que muitas pessoas já vieram me dizer que, mesmo sempre sabendo que eu possuo
sérios problemas na visão, não se sentiam totalmente a vontade para conversar
comigo sobre o assunto, e isso porque eu nunca externalizei muito o tema. E, de
fato, isso é verdade. Por muito tempo, eu tive a preocupação de “não aborrecer”
os amigos e a família, afinal, estava tudo bem - mesmo quando não estava.
Mas, felizmente, o assunto se tornou muito mais leve para mim e, por consequência, para os demais que estão à minha volta. Hoje eu entendo que, se uma pessoa não quer me ouvir falando sobre a minha visão, isto significa que ela não quer, na realidade, ouvir-me falando. Pois, apesar da minha doença não me definir, ela é parte de quem eu sou, ou seja, ela vai comigo para onde quer que eu vá; afinal, eu não posso ir ali no mercado e deixar minha baixa visão pendurada no cabide de casa, e tão pouco posso passar por uma pandemia sem que este me seja também um fator limitador.
E, como prova disso tudo que escrevi
até agora, a simples existência deste blog testifica o quanto “sair do armário”
traz saúde mental (expressão da moda) para uma pessoa com uma deficiência física. Compartilhar
minha experiência com vocês é extremamente enriquecedor e me faz muito
bem.
Portanto, de coração, eu novamente
gostaria de agradecer a cada um de vocês que aprecia ler as digressões
disléxicas que eu escrevo por aqui.
Muito obrigado!
Weber Amaral
Nota: Algumas pessoas tem me falado que tentam postar
comentários, mas, que por algum motivo, eles não são salvos. Pois bem, eu já
tentei todas as configurações aqui no site, mas o Blogspot parece só aceitar
comentários de usuários logados. Então, por favor, tenham certeza de estarem
autenticados com a conta do Gmail de vocês - o Blogspot é um serviço do Google.
Para usuário de Safari ou Internet Explorer (que geralmente não autenticam a conta do Gmail igual o Chrome), ou caso você simplesmente não queira logar, também é possível selecionar a opção "Nome/URL". Entre então o seu nome (URL é opcional). Após isso, o site te enviará a uma verificação anti-robot.
Desculpem o incoveniente.
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- Continue lendo esta história em Mas, e o velhinho?.
- Clique aqui para seguir o roteiro de leitura dos textos do Dislexia Visual sugerido pelo autor.
Antes de fazer um comentário aqui, lá vai meu primeiro parênteses: Adoro ler seus textos, você compartilha suas expêriencias e várias situações nada fáceis que teve que lidar de uma maneira muito leve e sábia e eu acho isso fantástico, uma verdadeira lição de vida!
ResponderExcluirAgora vamos ao meu comentário! É muito válido falar do sentimento de orgulho, porque já o senti muitas vezes depois que me tornei adulta. Foi muito gratificante pra mim quando conquistei minha independência: sair da casa dos meus pais, começar a trabalhar, morar sozinha, ganhar meu dinheiro e enfim realizar meus sonhos que só consegui realizá-los com muito suor e esforço. E acho que quando nos deparamos com a situação de não conseguirmos mais seguir em frente "sozinhos", parece que estamos dando um passo para trás, pelo menos era o que eu sentia.
Mas hoje penso melhor sobre isso e vejo que pedir ajuda ou reconhecer que precisamos de um "empurrãozinho" se mostra como um gesto de humildade e eu vejo que para a outra pessoa, a quem está sendo solicitada a ajuda, gera um sentimento de utilidade. Eu gosto quando as pessoas me pedem ajuda porque além de eu me sentir ´´util, vejo que consegui passar confiança e um certo carisma ou abertura, pois de tantas pessoas que ela poderia pedir ajuda, ela me escolheu. Uma vez escutei uma frase e gosto de carregá-la comigo e acho que tem muita a ver com esse tema e sobre sua iniciativa de ter criado esse blog: "expor nossas fraquezas só mostra o quão forte somos".
Bom, fica aqui minha admiração e fico no aguardo do seu próximo texto, kkkkkk.
Beijo, primo
Olá prima. Muito obrigado pro trazer comentários e experiências suas também para discussão.
ExcluirAcho mesmo que precisamos, às vezes, dar esse "passo atrás" e reconhecer que não somos uma ilha. Precisamos de ajuda e também há outros que precisam da nossa ajuda.
Muito obrigado e um beijo bem grande pra vc.
Sensacional esse texto, tio Binho! Sensacional e sensorial. Qd precisar de um apertador de botão (ui) pode chamar os amigos também! Estamos aí pra isso. Abração
ResponderExcluirFiquei emocionado com o seu "sensorial".... mas Mano, você não tem noção da risada alta que dei com o (ui).. heheh.. Abraços grande para a família bonita.
ExcluirEu adoro ler seu blog, é muito gostoso ler histórias de alguém tão inteligente e que escreve tão bem. Aliado a isso, é mais gostoso ainda quando conhecemos quem as escreve..
ResponderExcluirSucesso pra você e pra Marida! Saudades
Inteligente é a tua filha, o resto de nós é só estudado.... hehe...
ExcluirBeijos pra vc também e obrigado.
Fantástico e cada dia aprendemos lhe admirar mais e mais!
ResponderExcluirPode parar com isso aí que teu esposo me contou que vc fica procurando erros de português. heheheh
ExcluirBeijos e a admiração sempre foi mútua.. S2 S2
Binho, quase que achei que vc estava falando de outra coisa 🤣
ResponderExcluirVc é uma das pessoas mais incríveis e mais humilde que conheço te admiro como pessoa e para mim vc é um exemplo 😁
Aguarde aí.. qm sabe nos próximos posts eu nào faço mais revelações bombásticas :-p.
ExcluirObrigado Desconhecido (que eu bem sei qm é)... morei com pessoas que me ensinaram aqui e ali. e isso me fez uma melhor pessoa hoje.. eu acho
Um beijo bem forte pra vc meu irmão....
Parabéns Weber por compartilhar suas experiências..
ResponderExcluirObrigado Fabricio.. #tamujunto
ExcluirMuito bom o seu texto Binho.. sei exatamente como vc se sente, pois passei por tudo bem antes de vc estar na situação de hoje. E sabe como consegui passar forte por tudo isso? Graças a todos vcs, amigos e parentes, que estavam sempre ao meu redor, me ajudando em tudo. Palavras pra tudo o que me aconteceu depois que conheci vcs, GRATIDÃO. Obrigado pelos seus textos maravilhosos, e espero o da Shakira.. kkkk
ResponderExcluirFilhão.. vamos fazer assim: A próxima vez vamos juntos no elevador (ui).. daí vc vai me guiando (mais pra cima, mais pra baixo) até eu achar o botão (ui de novo).
ExcluirVocê não tem noção o quanto a sua amizade enriqueceu e deu exemplo para minha própria situação. Sou muito grato a você por isso. Mas aguarde aí q estou preparando um trem aí... hehe
Beijos filhão.
Belo texto. Se fosse no Senado Federal vc não teria tido problema algum, pois lá temos os ascensoristas mais bem pagos do mundo.
ResponderExcluirP#rra.. o nosso prédio lá no RJ também tinha ascensoristas (não tão bem pagos iguais o de Brasília).. mas o mais estranho é que o elevador era tão pequeno que ficava difícil.
ExcluirAbraços Marção.
Meu orgulho e admiração por ti crescem a cada novo dias!
ResponderExcluirOi desconhecido(a) que eu não sei qm é.. Muito obrigado pelo comentário e por curtir o texto. Abraços...
ExcluirSó vc para me fazer ler um texto completo.
ResponderExcluirTe amo primo!
hahahahahhahaha.... mas se liga aí q vai ter muitos outros pra ler (e completos).
ExcluirBeijos primo .. tbm te amo mlk....
Binho, gratidão por vc compartilhar suas experiências e reflexões conosco. É sempre enriquecedor ler seus textos.
ResponderExcluirOi Jéssiaca.. Sou eu qm agradeço por vc ler e comentar o meu Deus.. fico muito feliz.. de verdade.
ExcluirSuas experiências de vida são lições para meu dia a dia! Te admiro muito como pessoa!!!❤❤
ResponderExcluirA admiração é mútua.. bejiosssssss
ExcluirBinho, Paulino, Reinaldo, Jonny, meus alunos maravilhosos, especiais!!! Vencedores !!! Como agradeço pelo tempo que passamos juntos! Qto aprendi! Saudade de todos. Abraços carinhosos.
ResponderExcluireu que fico super orgulhoso de ver seu comentário por aqui. Obrigado por tudo que nos ensinou. um grande beijo profa
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