O duro golpe da frase feita

Há alguns meses, em uma tarde fria e ensolarada de inverno, eu estava dentro de um táxi e, como de costume, aproveitei o tempo para bater um papo com o motorista (sim, eu sou daqueles que conversa dentro do Uber). Conversávamos sobre um assunto qualquer, e que não tem a menor relevância para a nossa história, quando nos deparamos com um pequeno congestionamento na frente de uma escola. Com toda a naturalidade de uma pessoa que tira o seu sustento dirigindo pelas ruas de grandes centros urbanos, o motorista começou, pois, a murmurar acerca daquela situação. Confesso que não me incomodei muito, a princípio, com as suas lamúrias e até entrei um pouco na discussão.
Após alguns minutos parados, esperando o policial liberar o trânsito, o motorista me disse as seguintes palavras:
“Mas, veja bem, este problema é muito simples de ser resolvido. Se eu fosse o secretário de educação, eu colocaria cada série para terminar as aulas com 30 minutos de diferença uma da outra. Daí, o trânsito não seria tão acentuado na frente das escolas do jeito que é agora.”
Refleti, então, por alguns segundos naquela proposta e lhe indaguei.
“Mas, o que fazer com os pais que tem mais de um filho em séries diferentes? Eles teriam que ficar horas na frente da escola esperando?”
Houve, então, um incômodo silêncio. Ele olhou para mim, olhou para a frente novamente, mirou os retrovisores do carro e, não mais podendo se calar, soltou as seguintes palavras:
“É, talvez eu tenha que pensar melhor nesta minha ideia.”

Assim como o motorista, o mundo está repleto de pessoas com soluções milagrosas e extremamente simples para problemas muito complexos, tais como a fome no mundo, a distribuição de renda, a qualidade da educação de um país, ou... de uma pandemia global. Sim, em tempos de proliferação de agentes biológicos, é bem comum vermos pessoas que surgem com “balas de prata” que resolveriam toda a situação em questão de dias.
Porém, extrapolando a nossa maior questão contemporânea (o vírus), também quero analisar, junto com vocês, o efeito que teorias rasas trazem para o nosso dia a dia.

Primeiro de tudo, se essas questões possuem uma resolução tão fácil assim, como alguns clamam, por que esses problemas ainda existem? Por exemplo, se a questão do desemprego em países em desenvolvimento é tão séria e custa muito, tanto para a sociedade quanto para o governo, por que nenhuma autoridade solucionou isso ainda? Será que existem conspirações globais para manter pessoas sem renda pelo mundo? - eu não acredito nisso.
Além disso, se as soluções milagrosas são muito bem conhecidas pelo Seu Zé da esquina (nada contra os Zés deste mundo, meu próprio pai se chama José), por que será que  pesquisadores e especialistas, que dedicam a sua vida a estudar um determinado caso, ainda não sugeriram tal resposta à problemática?

Pois bem, outro grande revés em achar que tudo na vida é muito simples é o preconceito que o senso comum causa no cidadão médio. Dessa forma, quando questões sociais, tais como a violência em centros urbanos, são levantados, de tanto este mesmo cidadão ouvir que “bandido deve é morrer”, ele acaba dando esse caso por encerrado dentro da sua própria cabeça, e não mais pensa sobre o assunto. E ainda pior que isso, ele jamais se dará conta que existem inúmeros motivos implícitos que fazem os indicadores de criminalidade não pararem de crescer mundo afora.
            Por isso, quando uma sociedade começa a dar temas complexos como casos encerrados, é justamente o momento que surgem os assuntos tabus, ou seja, que jamais poderão ser discutidos. Isso é tão grave que chegamos, então, em um ponto que não mais se pode discutir religião, aborto, descriminalização de drogas e de armas, entre outros.
Image result for frases engraçadas de parachoque de caminhão se não puder ajudar
Por fim, eu exponho a opinião que todo (TODO) assunto pode - e deve - ser discutido dentro de uma sociedade democrática. Contudo, tais argumentações devem ser sempre conduzidas à luz da racionalidade e fugindo de conceitos pré-estabelecidos. Problemas complexos exigem soluções complexas, com planejamento, projeto e tempo. 
Ou seja, dá trabalho!

Portanto, caro leitor, afaste-se de frases de efeito, mitagens e lacrações de parachoques de caminhão, memes ou postagens de 160 caracteres. Tampouco tenha versículos bíblicos soltos e fora de contextualização para guiar o seu entendimento de mundo. Porém, embase-se em experiências de vida, olhe para o mundo a sua volta e busque profundidade nas suas opiniões - leitura sempre. 
E, mais importante de tudo, jamais negue a realidade que te rodeia, pois isso só irá te fazer mergulhar em um obscurantismo sem fim.

Weber Amaral

  • Clique aqui para seguir o roteiro de leitura dos textos do Dislexia Visual sugerido pelo autor.

Comentários

  1. Como de costume, gosto de ler, aprender e debater. Acredito que o maior problema seja minha última opção. E claro que postular verdades nos direciona em nossas discussões. Gerar argumentos com base nos faz ter propriedade no que falamos. Versículos bíblicos soltos são pretextos para autodesculpas. Leia, leia e leia. Aprenda e debate.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aeee.. obrigado mano (Wellington) e mano (Hermano).. heheheheheh.
      Eu também acho que é OK vc entrar numa discussão sem ter propriedade no assunto. Desde que você não queira cagar regras (e regras baseadas em memes).... aprendemos tanto com os outros quanto com livros, filmes, documentários e outros.
      Abraços.

      Excluir
  2. Otimo texto, como de praxe.
    Tenho lido alguns artigos tentando repopularizar a escrita de blogs e espacos livres, onde se eh livre para expor ideias e debater sem limite de espaco ou conteudo.
    Infelizmente isso nao eh mais popular depois da poppularizacao das redes sociais e outras plataformas. Se voce pesquisar algo hoje no google, provavelmente encontrara citacoes sempre das mesmas fontes nos resultados em destaque, enquanto um blog privado talvez nao seja o primeiro resultado mesmo se voce digitar o nome diretamente da pesquisa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. P#rr@ Diego.... matou a pau.
      É bem isso mesmo. Acho que isso vem bem de encontro com o que o texto tenta explorar. A nossa sociedade moderna popularizou fontes rápidas de informação, o que em si não é ruim, contudo perdemos, dessa forma, a profundidade da análise crítica e altamente embasada. É phoda.

      Abraços.

      Excluir
  3. Uma das coisas que mais me incomoda no mundo moderno é exatamente o desespero das pessoas por soluções "simples e rápidas" para problemas complexos, como se viver fosse passar de um item a outro do check list de problemas, e sucesso se traduza na velocidade que se faz isso... esse pensamento abre muita margem para desmotivar a reflexão e o debate. Pimpão, curti bastante seu texto!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fala Pimpão... valeu pelo comentário..
      Ele me fez pensar em outro aspecto do texto. Sabe aquela ideia de "o importante não é onde você quer chegar, e sim a jornada"? Então, acho que isso se aplica ao seu comentário. Lembro-me de cada um dos projetos que fiz na vida e é claro que foi muito gratificante ter entregado o produto no final. Mas pqp... era tão da hora fazer o projeto né? E isso se extende pra vida, as nossas alegria e lutas diárias são o que vale a pena.. .. PQP... vai sair um texto disso... hehe
      Valeu Pimpão.. um grande abraço.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O capacitismo na religião

Uma barata chamada Kafka

O pecado do conservadorismo

Limitações em família

O dia que eu saí do armário