Dicas para interagir com um deficiente visual
Caso você acompanhe este blog com alguma regularidade, sabe muito bem que os textos aqui publicados são bem anedóticos e, de certa forma, lúdicos. Ou seja, listas não são muito do meu feitio. Porém, eu acho bastante pertinente compartilhar esse tipo de informação, a qual eu creio que também é um espelho da minha realidade e traduz um pouco da minha perspectiva de mundo. Eu vou tentar criar conexões entre as dicas que vou passar abaixo e os textos que já estão por aqui, o que também colabora caso você queira ter exemplos e reflexões mais aprofundados sobre o que estamos conversando aqui hoje.
Antes
de começarmos, vale relembrar a você que me lê agora que, com exceção do
Shiryu, que furou os próprios olhos para derrotar a Medusa, nenhum deficiente
visual optou pela sua condição e, infelizmente, o mundo à nossa volta não é bem
adaptado para a nossa realidade. Ou seja, nós fazemos muitas concessões e
estamos constantemente nos reinventando para o mundo que nos rodeia. Por isso,
o objetivo deste texto é tentar alertar que a comunicação é uma via de mão
dupla, ou seja, ambas pontas devem ceder para que haja uma conexão de ideias e
de convivência mínima.
Além
disso, eu escrevo a partir da minha própria percepção de mundo, isto é, não
tenho a menor pretensão de representar todos os deficientes visuais. Cada ser
humano é diferente e pode agir e reagir de formas distintas às situações
descritas abaixo. Portanto, mais do que dicas para interagir com um ser
genérico e deficiente visual, este texto traz dicas de como interagir comigo,
um ser humano único e com limitações únicas.
Por fim, quero enfatizar que este texto trata de dicas para facilitar a interação social, não de regras ou leis; portanto, você não é obrigado(a) a seguir minhas sugestões. Porém, eu posso lhe garantir que focar a sua atenção nos pontos abaixo, e talvez expandi-los para o seu convívio social (com deficientes ou não), seguramente lhe farão uma pessoa melhor.
Vamos às dicas.
1. Reconheça a sua ignorância
O primeiro
passo para o conhecimento é reconhecer a sua própria ignorância. Essa é a base
do pensamento socrático e também uma dica para a vida como um todo. Por isso
ela se encaixa muito bem no nosso exemplo aqui hoje.
É
perfeitamente aceitável você não saber como agir diante de um deficiente
visual, por isso converse e pergunte, ao invés de simplesmente assumir o que
seria o modo correto a se comportar.
2. Lugar de fala
Temos conversado muito sobre isso, mas é importante ressaltar aqui que somente um deficiente pode falar com propriedade sobre a sua situação. Isso não significa, porém, que eu não conte com a sua ajuda e voz para a minha causa. De formaalguma! Aliás, eu desejo sim que você me entenda e se empatize com a minha condição. Entretanto, se você quer oferecer o seu apoio, dê-nos voz e deixe que falemos e nos expressemos por nós mesmos. (vale lembrar o que escrevi acima, ou seja, que eu não tenho a pretensão de falar aqui por todos os deficientes, cada ser é único)
3.
Diga-me
quem és
A menos que
você seja alguém íntimo, ou seja, cuja voz me é bem familiar, sempre que
encontrar-me, comece a conversa se apresentando verbalmente.
4.
Anuncie
os seus gestos
Ao me
encontrar você pode querer apertar a minha mão, abraçar-me ou dar um beijinho
no rosto. Tudo certo com isso, porém entenda que eu não vou conseguir ver o seu
gesto de aproximação, por isso é sempre importante você se antecipar a mim e
dizer: “Aperte aqui minha !mão”ou “posso te dar um abraço?”.
Além disso,
essa dica vale não somente para cumprimentos, mas para qualquer situação na
qual você espera a minha reação diante de uma ação sua. Por exemplo, ao me
passar um copo de água, você pode dizer: “Toma aqui o copo de água, é só
externder a mão.”.
5.
Dirigja-se
a mim
Caso você se encontre com um deficiente visual
adulto e que goza de suas faculdades cognitivas, e quiser lhe fazer uma
pergunta, por exemplo, dirija-se diretamente a ele (ou ela), isto é, fazer a
pergunta ao acompanhante desta pessoa é extremamente desrespeitoso.
Acreditem em mim, infelizmente isto é muito
comum de acontecer.
6.
Economize nos gestos e trejeitos
Esta dica
parece bem óbvia, mas não me refiro somente ao fato de você balançar a cabeça
ao invés de dizer “Sim” ou “Não” (o que é terrível). Além disso, palavras como
“lá”, “ali” e “aqui” não são muito úteis na comunicação com um deficiente
visual.
7.
Descrever
e transcrever
Aprenda a
descrever objetos, situações e cenas. Quanto mais detalhes você conseguir
transmitir, melhor será a nossa comunicação. Além de poder facilitar (e muito)
a minha vida.
Exemplo:
Vamos supor que estamos em um bar e eu falo que quero ir ao banheiro. Você não
precisa necessariamente me acompanhar até lá, mas será muito bom se você
conseguir me descrever o caminho e possíveis obstáculos que eu encontrarei no
meu percurso.
8.
Fala
comigo!
Todos
gostamos de falar. Não é? (ou pelo menos quase todos). Interagir com um
deficiente visual é, então, a sua oportunidade de dizer coisas que você não
falaria em outra conversa mais trivial. Por exemplo, você pode detalhar uma
árvore que está perto de você, ou uma imagem de um outdoor, ou ainda você pode
narrar uma cena que você está vendo. Eu me sentirei muito mais incluído se, ao
invés de ficar em silêncio, você compartilhar aquilo que está ao nosso entorno.
9.
Não
banque o curandeiro
Não sugira
cura milagrosa, pajelança, oração de descarrego ou sétimo sentido (no caso do
Shiryu) a nenhum deficiente. Este é um assunto muito sensível e é melhor
tratado no capítulo Ocapacitismo na religião.
10.
Não,
sua miopia não é parâmetro
Este é um
tópico complicado, porque eu entendo que quando você me fala da sua miopia de
um grau e meio, você está tentando criar um laço de empatia comigo; e isso é muito
válido. No entanto tenha cuidado para não passar a impressão de estar
reclamando da sua situação e nem de tentar colocar nossos casos em nível de
igualdade.
11.
Meu
corpo, minhas regras
Novamente,
esta é uma regra básica de convivência social: Você não toca o corpo de uma
pessoa sem o seu consentimento. Mas mesmo assim, na ânsia de ajudar, as pessoas
querem pegar, empurrar e puxar o deficiente visual para que ele se oriente pelo
caminho correto.
Para evitar
esse tipo de problema, ao invés de forçar atrapalhadas manobras, simplesmente
ofereça seu braço ou seu ombro para que o deficiente segure em você. Dessa
forma vocês dois conseguirão caminhar tranquilamente e estarão protegidos de
desastres e tropeços.
Obs: esta
dica também se aplica à Filomena - leia o texto Mas, e o velhinho?.
12.
Uma
ajuda… uma!
A
socialização com um deficiente visual não necessita ser penosa para nenhuma das
partes. Por isso, é imprescindível que você não se sinta na obrigação de
oferecer ajuda a todo momento.
Tomemos o
exemplo no qual você e outras pessoas (dentre elas um deficiente visual) se
sentam ao redor de uma mesa para um banquete. Ao invés de ficar a todo momento
falando: “Você quer um pão?”, ou “você aceita um pedaço de queijo?” e por aí
vai, faça um resumo de tudo que há na mesa e ofereça a sua ajuda para o que for
necessário. Se você me inspirou confiança no que falou e deixou o canal de comunicação
aberto, eu me sentirei confortável em pedir ajuda quando necessitar.
13.
Abaixe
o volume
Quando
receber um deficiente visual na sua casa e quiser colocar uma música para
acompanhar o jantar, faça-o sem medo. Porém lembre-se que nós dependemos muito
mais da audição que outras pessoas, ou seja, tente não exagerar no volume, pois
isso pode causar desorientação e cansaço desnecessários.
14.
Podemos
falar sobre a minha deficiência?
Falando por
mim, não há nenhum problema nisso. Logicamente, isso vai depender de pessoa a
pessoa e como ela lida com a sua própria deficiência. Geralmente, é totalmente
recomendável falar sobre a nossa condição. Particularmente, eu creio que a
minha deficiência não representa mais um tabu.
15.
Podemos
falar sobre outras coisas também
Apesar de
ser aceitável e recomendável falar sobre a minha deficiência, eu logicamente
não quero falar somente sobre isso. Acho que tenho em mim muitas experiências
interessantes para compartilhar e, novamente, a deficiência faz parte de mim,
mas não me define como ser humano. Vale ler o capítulo Do Tetris ao Super Bowl.
16.
Aglomere
suas mensagens
Se você
precisa me enviar uma mensagem de texto que contém três sentenças, por exemplo,
é melhor que você junte as frases em uma única mensagem. Isso porque, dependendo
do assistente de leitura que uso, eu posso estar respondendo a sua primeira
mensagem enquanto você ainda me envia a segunda, ou seja, esta última será
perdida. Além disso, eu necessito clicar na mensagem para que ela seja lida,
por isso uma pequena mensagem requer mais destreza e atenção para que não seja
ignorada.
17.
Vá
devagar nos emojis
Assistentes
de voz ou leitores de telas também pronunciam os emojis enviados nas mensagens
de texto. Por isso é bem inconveniente quando nos é passada aquela imensidão de
emojis e o leitor de tela fala um a um.
18.
Áudio
ou texto?
Bem, isso
realmente depende. Eu, particularmente, tendo a dizer que é melhor que você me
escreva ao invés de enviar áudio, pois dependendo da situação eu vou acionar o
meu assistente de leitura, o qual, por hora, não toca áudios automaticamente e,
mesmo que use o leitor de tela, eu tenho que localizar o botão “Play”, o que
nem sempre é uma tarefa fácil.
19.
Imagens
são ignoradas
Por motivos
óbvios, eu ignoro imagens que me são enviadas. Principalmente porque nem todos
aplicativos tem um sistema de descrição de imagens embutido e, mesmo os que
existem são bem limitados. Mas enviar-me uma imagem não necessariamente é uma
ofensa, desde que ela venha acompanhada de uma descrição da sua parte.
20. Use somente um idioma
Quando estivermos conversando ao vivo ou ao telefone, sinta-se a vontade para esbanjar todo o seu poliglotismo e usar expressões nos mais variados idiomas que sejam acessíveis a nós. Use a sua vasta sabedoria tecnológica para adicionar verbetes em inglês ou demonstre seus conhecimentos de culinária ao introduzir o francês no meio da sua frase. Eu muito provavelmente te entenderei, pois eu sou um ser inteligente. Porém o leitor de tela do meu computador ou celular nào dispõe dos mesmos poderes cognitivos.
Portanto, quando escrever para um deficiente visual, atenha-se ao idioma que é comum a vocês dois, porque leitores de tela se perdem totalmente e ficam brutalmente inaudíveis com muúltiplos idiomas mesclados em um mesmo texto.
Por
fim, a minha intenção aqui não é ditar regras, mas sim facilitar a nossa interação.
De nenhuma forma quero lhe desencorajar a interagir comigo ou com qualquer
deficiente, ao contrário, todos nós queremos nos sentir incluídos dentro da
sociedade. Por isso, não tenha medo ou receio de “estar fazendo a coisa
errada”, pois nenhum de nós nasceu 100% preparado para lidar com todas as
situações que existem no mundo. Logo, podemos perfeitamente aprender juntos.
Essa
lista provavelmente sofrerá alterações à medida que eu vou vivendo novas
situações. Portanto, também aceito sugestões, comentários e perguntas.
Afinal,
conversando a gente sempre se entende.
Weber Amaral
- Clique aqui para seguir o roteiro de leitura dos textos do Dislexia Visual sugerido pelo autor.
Obrigado por compartilhar essas dicas, tio Binho!
ResponderExcluirOpa.. obrigado a ti, por dedicar seu tempo para entender a visão (ou a falta de) alheia.. hehe.. abraços mano
ExcluirMuito obrigado Binho. Aprendi muito com essa lista. Todo texto seué uma oportunidade de te cknhecer mais. Abraço
ResponderExcluirValeu Gandhi.. um grande abraço
ExcluirGrande Binho. Acompanho boa parte dos seus textos e admiro você. Especialmente nesse escrito, com valorosas dicas pra tornar o mundo do deficiente visual um pouco mais inclusivo. Ou menos excludente talvez.
ResponderExcluirSucesso sempre, garoto.
Olá desconhecido (a) que eu não sei ao certo quem é. hehe Muito obrigado por ler e entender a necessidade e relevância do termo.
ExcluirAbraços e sucesso também.