O catalisador e aquela cena

             Hoje pela manhã participei de um evento virtual promovido pela Siemens (empresa onde trabalho) em comemoração ao dia internacional da pessoa com deficiência, que é celebrado todo ano em 3 de dezembro. Muita coisa foi explanada durante as três horas de apresentações, desde soluções de mobilidade urbana, rumos da empresa em direção a promover mais acessibilidade e também exposição de alguns casos de sucesso dentro do universo de pessoas com alguma deficiência.

Dentre tudo o que foi exposto, o que mais me chamou a atenção foi a inspiradora palestra do atleta Lex Gillette, campeão mundial e paraolímpico no salto a distância pelos Estados Unidos. Ele é o único atleta totalmente cego da história a saltar mais de 22 pés (6,73 metros).

Obviamente sua palestra explorou assuntos como superação, força de vontade e outros pontos motivacionais, mas o foco real (e o título denunciava isso) foi como ele consegue conectar-se com amigos e colegas e extrair o máximo de si através de suas relações pessoais. Ele falou muito do seu guia de corrida e saltos e contou como a cumplicidade entre ambos durante os treinos e competições o fez atingir os melhores resultados em sua carreira. Além disso, ele também discorreu sobre sua trajetória educacional após perder a visão aos oito anos de idade e como a ajuda de professores e,principalmente, da sua mãe, foram essenciais e determinantes na sua vida. Desta forma, sua principal mensagem a nós, funcionários da Siemens, foi a de “seja você também um guia e, portanto, um catalisador do potencial de outro alguém”.

Há alguns meses, um amigo muito afeito ao exercício físico, o Vitor, convidou-me para corrermos juntos. Eu disse que topava com certeza, mas que não sabia muito sobre métodos de corrida assistida. Começamos ambos a buscar maiores informações e antes mesmo que eu pudesse coletar boas ideias, ele já havia pesquisado sobre técnicas e tecnologias para fazer a prática esportiva possível e acessível para mim. Ele então usou toda a sua engenhosidade e dom inventivo para confeccionar um elástico para prender em nossos pulsos de forma bem ergométrica, confortável e confiável. Testamos ~duas pistas de corrida, mas foi na terceira, localizada no parque Memorial de Houston onde encontramos o melhor ambiente para corrermos juntos.


A foto ilustra Vitor e eu em uma pista de corridas. Ambos estamos em movimento e de frente para a câmera. Há um elástico atado ao mesmo tempo ao meu pulso esquerdo e ao pulso direito do Vitor. A pista é cinza com raias de corrida brancas e o céu azul está sobre nós. Fototirada pela minha conterrânea Laís, esposa do Vitor.
A foto ilustra Vitor e eu em uma pista de corridas. Ambos estamos em movimento e de frente para a câmera. Há um elástico atado ao mesmo tempo ao meu pulso esquerdo e ao pulso direito do Vitor. A pista é cinza com raias de corrida brancas e o céu azul está sobre nós. Fototirada pela minha conterrânea Laís, esposa do Vitor. 



            Conforme já citei aqui no blog, sempre escuto elogios de como eu tenho lidado com a perda da visão, ontem mesmo ouvi isso do meu médico familiar durante o check-up anual. No entanto devo confessar, e já o faço bastante por aqui, que esta jornada não tem sido nada fácil. Creio que dois fatores são fundamentais para que eu me mantenha de pé e siga caminhando em frente. O primeiro deve-se ao preparo emocional e intelectual que desenvolvi durante esses 30 anos de convívio com a baixa visão e a chegada anunciada da cegueira, ou seja, graças aos monumentais  esforços dos meus pais, poder ter tido uma ótima educação, além de hoje ter acesso a tratamento psicoloógico e à vasta literatura técnica e ficcional que tanto exploro por aqui. O segundo fator, e mais importante, é a rede de apoio da Marida, familiares e amigosque certamente ajudam muito a fazer este processo tão doloroso um pouco mais leve.  

Portanto, eu gostaria de extender a voz e a mensagem do campeão mundial e paraolímpico e motivar você, caro leitor, a também ser um catalisador do potencial do seu próximo. Não me refiro somente a pessoas deficientes, mas que você sirva de guia e que ajude outros a também atingirem excelência naquilo que fazem.

Depois de algum tempo praticando corrida semanalmente com o Vitor, um outro amigo, o Eri, também quis me auxiliar e hoje conto com dois guias para a prática esportiva (fora a Marida, é claro, que igualmente se dispõe a tais atividades comigo). Por isso, posso afirmar que em praticamente todas as áreas da minha vida, eu tenho sim encontrado catalisadores que me auxiliam a não desistir e, de alguma forma, encontrar e explorar o meu potencial a despeito da falta da visão.

A palestra então seguiu bem e muito emocionante. Lex mostrou vários materiais de divulgação do seu trabalho e comoveu muito a audiência. Inclusive, algo bem marcante foi ele exibir um vídeo seu durante o campeonato mundial, no qual ele comete um grave erro de cálculo e após o salto ele cai ao lado da caixa de areia, ou seja, na grama. Felizmente ele não se machucou seriamente, mas aproveitou a oportunidade para compartilhar as dificuldades da prática esportiva de alta performance por parte de deficientes visuais. Este momento foi muito inspirador.

Ao fim da palestra, a moderadora abriu espaço para enfviarmos perguntas , as quais Lex foi respondendo com calma, empatia e paciência. Quando faltavam então dois minutos para o término do tempo previsto, a moderadora disse:

“Obrigado a todos que enviaram perguntas. A lista está gigantesca e teremos que parar por aqui. Vou ler somente mais uma e encerramos.”- ela então começou a ler a próxima questão da fila e então consegui captar uma certa hesitação da sua parte quando continuou a falar – “Lex, a última pergunta é: Tem alguma coisa que você é agradecido por não poder ver?”

Alguns segundos de silêncio profundo se passaram, mas Lex que se descrevera um homem negro no começo da palestra, respondeu:

“Eu não gostaria de terminar a nossa conversa hoje com um ar melancólico, mas acho que se faz necessário. É inegável a quantidade de injustiças que meu país e muitas partes do mundo tem passado nos últimos anos. Eu obviamente assisti aquela cena horrorosa do assassinato do George Floyd, consegui ouvir cada movimento e cada grito de desespero e também escutei a reação de amigos ao verem aquela cena terrível. Então, se há alguma coisa que sou grato por não poder ter visto na vida foi aquele episódio macabro!”

Outro silêncio!

A moderadora então se saiu muito bem dessa situação e conseguiu aindadar um ar de leveza ao fim da palestra tão inspiradora.

Tendo a resposta do nosso campeão mundial e paraolímpico como base, eu gostaria de propor uma rápida reflexão neste dia3 de dezembro. Já conversamos por aqui que, pessoas com deficiência tendem a serem vistas pela sociedade de apenas duas formas: Coitados ou super-heróis. Entretanto, esta é uma visão que desumaniza o indivíduo. Lex é sim um atleta cego, mas ele não deixa de ser negro em um país que escravizou seus antepassados e viveu com segregação racial até os anos 1960. Da mesma forma, eu ou qualquer outra pessoa com deficiência não estamos imunes aos problemas da vida por simplesmente sermos surdos, paraplégicos, autistas ou etc. Deficientes também têm que cuidar dos filhos, da mesma forma precisam pagar suas contas em dia , trabalhar, ter lazer e todas as demais atividades, obrigações e direitos que qualquer cidadão “normal” possui (foco nas aspas).

Desta forma, assim como ocorre a você, nós seguimos vulneráveis e suscetíveis aos imprevistos da vida, bem como aos problemas estruturais da sociedade, pois antes de sermos deficientes, somos humanos. Por isso é tão importante falarmos de inclusão neste dia especial e lembrar a todos que, ao não incluirmos alguém , nós, na realidade, estamos deliberadamente excluindo esta pessoa.

 

Weber Amaral

Comentários

  1. Ja voltei das ferias pronto pra continuar nas corridas!

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    1. Opa, me chama que eu vou.
      Você tira férias e quem engorda sou eu! :-)

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  2. Tem muitas pessoas que também passam por vários problemas e conseguem superar com o apoio da família e amigos, como vc Binho! Todos te admiram e torcem por vc! E o mais importante é o seu desejo de superação! Conte comigo sempre! Quem sabe um dia até para uma visitinha 😆😁!

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    1. Eba, você tá vindo me visitar?
      Que dia você chega? já vou arrumando o quarto aqui e cortando a grama .
      Beijos

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    2. Oba! Estou me preparando psicologicamente! Kkkk

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