Mas, e o velhinho?

Bengala em madeira —IACESS Ortopedia e Produtos de ApoioSe você leu o meu último texto (recomendo que o faça antes de seguir com este aqui), talvez tenha ficado com a seguinte pergunta na cabeça: “O que aconteceu depois que o senhor de idade pediu ajuda para ir até o 12º andar?”.
 Bem, seu questionamento é justo e também representa um ótimo “gancho” para prosseguirmos com a nossa reflexão.
            Para acabar de uma vez com o mistério, utilizei-me do método desenvolvido anteriormente, fiz uma aproximação média a partir da luz 19 já acesa e consegui achar, com algum custo, o número 12 para aquele simpático senhor. Ele, então, saiu no andar que lhe era pertinente, agradeceu-me pela ajuda e desejou-me um excelente dia - bem fofinho. Ou seja, a despeito do sofrido início da história, o desfecho foi um sucesso.
           
Contudo, apesar de eu ter conseguido ajudar o senhor naquele dia, situações como esta costumam frequentemente acontecer comigo. Refiro-me a passagens da minha vida nas quais desconhecidos simplesmente não tem a mínima ideia da minha baixa visão e, ou me pedem uma ajuda que eu não consigo fornecer, ou não oferecem um favor que me seria muito apreciável.
            Posso também contar outros casos nos quais a falta de entendimento das demais pessoas à minha volta também me causa problemas, tais como a dificuldade de caminhar em ambientes públicos com uma grande quantidade de pessoas, o que faz com que o número de “Perdão!” que eu preciso dizer enquanto tento me deslocar em uma rua movimentada, estação de metrô, aeroporto ou rodoviária seja muito grande. Contudo, isso é minimizado, pois muitas dessas vezes eu estou, logicamente, com a minha Marida, que fica doida de tanto me puxar e empurrar para evitar que eu cause grandes esbarrões; além disso, ela é, com toda a certeza, a maior autora dos puxões de orelha que mencionei no texto passado.

            Pois bem, tendo tudo isso em vista, eu comecei então a buscar meios de fazer com que minhas necessidades fossem mais nítidas para pessoas externas aos meus círculos de amizade e familiar.
            Portanto, acho que agora é um ótimo momento para apresentar uma personagem nova que trouxemos para a nossa vida: a Filomena. Ela é baixinha, tem um pouco menos de 1,5m e… bem, acho melhor mostrá-la para vocês no vídeo abaixo.
            Esta é a Filomena.

            Logicamente, ela é um objeto inanimado, que não possui um custo muito elevado e que pode ser substituída a qualquer momento. Ou seja, ela não tem valor nem financeiro nem afetivo para mim. Mesmo assim, o significado de eu possuí-la é gigantesco.

            Eu já vi relatos de pessoas que gradualmente perderam a visão e que, na primeira vez que saíram à rua com a sua bengala, só conseguiam chorar. Além disso, também li histórias de outros que relutaram, e muito, em ter uma dessas e, ainda mais, em sair de casa com ela. Portanto, esse processo não é nada fácil para nenhuma pessoa com baixa visão.
            Mas qual é a minha percepção? 
Bem, eu ainda não tenho muita experiência com a Filomena, visto que eu a comprei um dia antes das férias e, basicamente, usei-a somente uma ou outra vez - o que já me rendeu boas histórias para contar. Além disso, logo depois das férias veio a quarentena e a Filomena está, portanto, trancada em casa conosco. Mesmo assim, posso dizer que usar um cane (termo em inglês) é muito empoderador e libertador. 
Eu pretendo lançar novos textos mais pra frente detalhando sobre futuras experiências com a Filomena, mesmo porque ainda terei que fazer o treinamento oficial do Estado para saber como manejá-la corretamente. Ou seja, há muito para ser experimentado ainda. 

            Voltemos, então, ao objetivo central deste texto.
Sinalizar ao mundo a minha necessidade através do uso de um bengala é algo que foi gradualmente despertando dentro de mim. Isto é, ensaiei por algum tempo, fiz pesquisas, assisti vídeos, palestras e li bastante sobre assunto, até que chegou o momento que eu julguei ser o correto para dar esse passo. Também vale ressaltar a importância que a Marida teve neste processo, pois além de me encorajar a buscar a Filomena, ela também ajudou, e muito, em todo o processo acima. Enfim, dar este passo dependeu não somente de análise fria e racional (o que é muito fácil de se justificar), mas também de muita preparação emocional. 
Como já mencionei, a pouca experiência que tenho até agora já me proporcionou histórias fantásticas de demonstração de empatia, ao ponto de pessoas totalmente desconhecidas me oferecerem ajuda, mesmo que não fosse necessário naquele momento. Outro ponto muito positivo foi caminhar em um lugar movimentado e ver que as pessoas tentavam manter sempre uma distância segura de mim, o que me salvou de muitos esbarrões e, por consequência, de pedidos de “Perdão!” a todo momento. 
            Já sobre o senhor do elevador, eu não tenho total certeza do que aconteceria quando ele entrasse e me visse com a Filomena, não sei ao certo se ele tentaria (e se conseguiria) apertar o 12 por si próprio, ou se mesmo assim tentaria solicitar a minha ajuda. Contudo, eu tenho certeza que eu, tendo a Filomena comigo, toda aquela estressante situação seria extremamente diferente.

            Por fim, a Filomena seguramente voltará a aparecer por aqui, só que talvez não mais em vídeo. Quero contar o quanto ela auxilia na minha mobilidade e na obtenção de independência. Contudo, por hora, o que posso dizer é que escancarar ao mundo a minha vulnerabilidade tem feito cair barreiras na minha socialização que eu jamais imaginara. Principalmente, porque antes de querer acabar com os preconceitos dos outros, eu tive que primeiramente eliminar os meus.
            E você? Está precisando de alguma Filomena na sua vida?

Weber Amaral


Notas:
  • Agradecimentos especiais à camerida (mistura de camerawoman com Marida) mais linda do mundo.
  • De forma nenhuma este blog será convertido em um vlog. Escrever é muito mais legal que gravar vídeo. Contudo, vou tentar usar recursos mais visuais sempre que eu julgar necessário.
  • Perdão a você que lê este texto em um computador por eu ter gravado com o celular em pé. Mas, é que a Filomena fica melhor neste ângulo.
  • Subi o vídeo no YouTube, ou seja, se você necessitar de legendas, basta ativar por lá.
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Comentários

  1. Filomena! Seja bem-vinda `a familia houstoniana! Adorei os recursos visuais do texto, tio Binho! Muito legal vivenciar e aprender contigo esse processo que requer tanta humildade e paciencia!

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    1. Oi Mano. Valeu pela força.
      Eu também acho super legal e válido compartilhar minhas experiências.. acho que a vida é uma eterna troca de experiência e sempre aprendemos uns com os outros.
      Abraços.

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  2. Legal binho, gostei da exposição.
    Eu tenho uma filomena, ela é como espada de dois gumes, penetra até a divisão da alma, juntas e medulas, é apta para discernir o que está dentro di meu heart.

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    1. Olá desconhecido (que eu não sei qm é).
      Obrigado pelo comentário.. e eu sei exatamente de qual Filomena você está falando. Neste caso eu tenho duas então :-p
      Abraços.

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  3. Binho, é muita bacana ler sobre as suas experiências e descobertas enquanto navega em águas novas. Você nos faz navegar com você e abre os nossos olhos para um mundo novo. Você não tem ideia do quanto isso é enriquecedor pra nós que estamos lendo.

    Em inúmeras situações eu fiquei sem saber como agir e sem saber se você queria ou não ser ajudado no momento e como receberia essa oferta de ajuda. Mas o que você vem falando nos seus textos faz esse pensamento parecer uma bobagem e a resposta mais do que óbvia. Estamos todos juntos no mesmo barco com você, somos todos uma grande família aqui e que estendemos as mãos uns aos outros sempre que preciso. Sempre que precisar então de uma mãozinha ou de um braço amigo, pode contar comigo!

    E por favor, continue nos ensinando!

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    1. Oi Fernanda
      Sempre que você quiser oferecer ajuda... não se acanhe. Ainda mais se tiver comida na jogada... não pense duas vezes em falar: "Binho, quer que eu encha um prato de coxinha e traga pra você?".. hahahahah
      Fico muito feliz em saber que meus textos trazer conforto e enriquecimento pra você... de verdade.
      Obrigado por tudo.. Abraços.

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  4. Oba!! Voltei a conseguir comentar por aqui. Mas mesmo sem ter conseguido comentar no post anterior, vc respondeu meu principal questionamento: e o velhinho, gente?

    Também gostei muito de aprender sobre a Filó (para os íntimos). Não tinha ideia dessa questão das cores nem da tecnologia de ponta da ponta. Foi enriquecedor para mim ler esse texto. É engraçado como as vezes algo que a gente resiste em adotar é, na verdade, o que nos liberta em algum sentido. Traçando um paralelo com minha vida relacionei a quando resolvi assumir o meu cabelo natural. Passei por um processo similar - e ainda passo - mas me sinto mais eu. Claro que nem se compara, mas consigo ter empatia com ela porque foi uma decisão que demorou anos para ser construída.
    Enfim, tô quase escrevendo um post aqui. Kkkkk amei o texto, as reflexões que ele me trouxe e os recursos visuais. Você é muito simpático em gente as câmeras, e já está super confortável!

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    1. Oi Lóris
      Eu consigo entender a questão do cabelo, e pra ser sincero, aprendi bastante com a sua experiência e de outras pessoas que assumiram o cabelo da forma que é, pois beleza não tem padrão, não existe um modelo do que é correto e do que errado a ser seguido. E isso tem muito a ver com a síndrome da impostora - pra fazer uma referência circular aqui ao teu livro.. hehe
      Beijos e obrigado por compartilhar vc também.

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  5. Binho, finalmente descobri quem é a filomena! Muito feliz em aprender mais sobre você binho e aprender com você a quebrar nossas barreiras. Muito orgulho que tenho de ser seu amigo.

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    1. Como já foi dito (e redito)... eu que fico grato de ter cruzado meu caminho com o teu e poder te chamar de meu amigo. Um grande abraço pra toda essa sua familia bonita.

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  6. Aeee agora consigo comentar aqui! Já que meus posts antigos não chegaram até você, gostaria de parabenizar você pelo blog, sempre leio seus posts pois eles me enriquecem como pessoa e ajudam a matar um pouco as saudades dos nossos papos da república. Sobre esse post especificamente, achei muito legal sua reflexão do que a filomena representou pra você e a pergunta retórica se nós leitores talvez precisarmos da nossa própria filomena. Eu me identifiquei pois passei por um processo semelhante ao lidar com o autismo aqui em casa, demorei muito pra quebrar meus próprios preconceitos e lidar abertamente com ele. Também achei muito interessante a cor da filomena diferenciar os níveis de visão, nunca havia reparado nisso. Mano, continue sempre escrevendo que eu estarei lendo e comentando assiduamente por aqui! Abraços

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    1. Aeeeeeeeeeee... habemus comentariuns :-)
      Cara, eu acho muito phoda o fato de que quando começamos a compartilhar as nossas experiências (e dores) a gente acha muito mais pontos em comum do que diferenças. De uma forma ou de outra, nós todos temos as nossas vulnerabilidades .. mas a sociedade (e a própria vida) vai nos colocando barreiras de preconceitos que precisam, em algum momento das nossas vidas, ser quebradas.
      Valeu por compartilhar tbm o teu caso, sei que não é fácil, e #tamujunto sempre.
      Um grande abraço mano e nos vemos depois da quarentena... :-)

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  7. Agora além da "marida" você tem a Filomena! Você é um cara sortudo! Seu astral me contagia! E sua superação me ensina a dar valor nas pequenas coisas do dia a dia!

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    1. Opa.. continue lendo q vc vai conhecer a Severina.. :-).. beijosss

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